sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

Eventos em O Sebo Cultural


Sexta-feira, 18 de janeiro de 2013 - 17h

Lançamento de duas publicações sobre o Cangaço da Editora Luzeiro, produzidas pelo escritor paulista Nando Poeta.

Haverá bate-papo sobre o método de trabalho do autor e sobre o cangaço brasileiro.

APRESENTAÇÃO de Aderaldo Luciano:
Viver é lutar, escrever é narrar as lutas

Nando Poeta tem resgatado uma tradição muito presente na trajetória histórica do cordel
brasileiro: a crítica social e o denuncismo político. Foi assim com Leandro, o pai do cordel:
embora sua face mais conhecida seja a de contador de histórias, é na observação preciosa do
dia a dia da cidade do Recife onde planta sua independência e competência poética. Esquecida
nos recantos de um quarto escuro historiográfico, os que tentam desencorajar os escritos
engajados jogam mais fuligem sobre ela para que seja consumida pela omissão. Mas ela está
viva e grita. Em A seca do Ceará:

O governo federal
Querendo remia o Norte
Porém cresceu o imposto
Foi mesmo que dar-lhe a morte.
Um mete o facão e rola-o
O Estado aqui esfola-o
Vai tudo dessa maneira
O município acha os troços
Ajunta o resto dos ossos
Manda vendê-los na feira.

Quando das instalações do trem da Great Western no Recife, todos lotados que
ninguém aguentava mais, Leandro escrevia a crítica política ferrenha em Os coletores da Great
Western:

E se alguém for se queixar
Diz-lhe o inglês: — O senhor
Deve agradecer a mim
Ter trem seja como for.
Mim botar trem no Brazil
Para fazer-lhe favor!

Ou a denúncia sobre o governo federal em A crise atual e o aumento do selo:

O governo federal
Acha que a coisa vai bem
E diz: “o dinheiro é pouco.
Deste eu não dou a ninguém
Porque eu não solto um pássaro
Por um que algum dia vem.”

Pois bem, esse traço da poesia de Leandro é abandonado de propósito, deixado de
lado, como se fosse pequeno, mas não o é. Em verdade é uma continuidade da poética
acintosa de Gregório de Mattos, o Boca de Brasa, que não poupava ninguém. Leandro é o seu
continuador. E não só Leandro, os pais do cordel, todos, aumentaram o volume de sua voz ao

refletir sobre política e sociedade. Francisco das Chagas Batista não deixou por menos, abriu
sua caixa de ferramentas e emendou versos poderosos narrando a escalada da Coluna Prestes
e a resistência do Estado em Os revoltosos do Nordeste:

O Coronel Luiz Prestes,
Guiando os rebeldes, sai
Do Paraná e Mato Grosso,
Atravessa o Paraguay
E segue rumo ao Nordeste
Onde a Esperança o atrai.

Chagas Batista chega a tomar partido contra a família Maranhão que dominava o
estado do Rio Grande do Norte durante a primeira metade do séc. XX. Canta sua lira em A
salvação do Rio Grande do Norte:

A família Maranhão
É quem está governando
Aquele pequeno estado
Que agora vai se agitando
E com salvação política
Muito cedo vai sonhando!

Enganam-se os que imaginam que ao poeta de cordel cabe apenas a delicadeza dos
bosques e das fadas, a rigidez lúdica das pelejas, o aproveitamento dos contos tradicionais da
oralidade ou o fácil caminho das adaptações dos sucessos literários oficiais. Engano dobrado.
Os nossos clássicos, os pioneiros fundaram a tradição política no cordel. Nando Poeta é apenas
um sucessor contemporâneo. Com ele, os temas mais atuais, os mais polêmicos, os que
necessitam de maior apuro tornaram-se corriqueiros e irrigam toda uma faixa de público ávido
por esse tema, militantes que são. Cordéis em defesa dos direitos da mulher, de respeito à
diversidade sexual, de reflexão sobre bullying nas escolas ou sobre a saga da consolidação dos
direitos dos trabalhadores são a voz do poeta na boca de um narrador engajado ou de um eu-
lírico consciente. Agora com estes dois volumes, O cangaço e o lendário Lampião e A saga de
Jesuíno Brilhante, toma ares de romancista ao contar a história do famoso Capitão já tão
decantado no cordel brasileiro e o outro cangaceiro romântico do sertão nordestino, pouco
trabalhado no cordel. Como diria o próprio Chagas Batista, um dos pais do cordel, em A
encrenca da Paraíba:

Eu, como escritor do povo,
Costumo meter o dedo
Nos casos de sensação
Que não exigem segredo
E, como não sou chaleira,
Conto a verdade sem medo.

Aderaldo Luciano

Abaixo a apresentação que Varneci Nascimento escreveu para o livro de
Nando intitulado: A SAGA DE JESUÍNO BRILHANTE.

Quando se fala em cangaço, o personagem mais lembrado é aquele
considerado o maior deles, o primeiro sem segundo, o intrépido e
temível Lampião. Todavia a história nos mostra que outros abriram o
caminho para que ele passasse e reinasse praticamente incólume, sem
que fosse abatido. Mas a história deixa as suas marcas e os
historiadores poetas ou poetas historiadores estão sempre em busca
destas para inovar sua arte, criar novas obras, encantar seus
leitores. O cangaço de fato é um dos assuntos preferidos do cordel,
mas não o único, pois a literatura é abrangente, está em busca dos
mais simples aos mais complexos dramas humanos.
É o caso do cordelista natalense Nando Poeta radicado em São Paulo há
cerca de cinco anos e que espalhou a sua poesia para o Brasil. Chegou
tímido na Luzeiro buscando ler os clássicos dos cordéis brasileiros.
Mas o seu apelido - Poeta, somado à sua história de vida que inclui
engajamento nos movimentos sociais, aos poucos se tornaram um convite
para lançar as redes em águas mais profundas no mar gigantesco do
cordel. E ele seguiu um conselho interessante: “não tenha medo”.
Corajoso, arriscou-se a escrevinhar as primeiras estrofes. De uma
humildade singular, virtude nem sempre presente na maioria dos
escritores, foi mostrando seus versos aos amigos que tem em boa parte
do país. Os verdadeiros o incentivaram e corrigiram, os falsos
elogiaram, os orgulhosos o mandaram parar e seguir no sindicato, os
bondosos o abraçaram e o cordel mandou que ele seguisse lendo Leandro
Gomes de Barros, José Camelo de Melo entre tantos outros gênios dessa
arte secular.
O mundo vivia o auge da crise financeira e em pouco tempo estava
pronto o primeiro trabalho de sua verve, A Turbulência Econômica. E
começava bem, pela maior e mais importante editora de cordel do
Brasil, a Luzeiro, sonho de todo poeta que conheceu o gênero através
de suas publicações. Em poucos meses, graças ao engajamento a edição
se esgotara, pois os sindicatos acolheram sua obra e a partir dela
promoveram importantes debates. Mas o potiguar ousado percebeu que
havia uma lacuna a ser preenchida no meio de outras categorias; foi
quando homenageou as mulheres em Mulheres em luta; depois os
trabalhadores com O primeiro de maio, e em seguida, sonhou longe
querendo a construção de uma nova central sindical de luta publicando
então, A arte de lutar.
O sociólogo Nando sabe da importância do estudo e por isso buscou
conhecer mais e melhor a história do cordel, seus autores, suas
influências, o meio em que viveram e as condições em que espalharam
sua poesia. Partindo deles também espalhou a sua. Após a experiência
acumulada lança agora um trabalho a respeito do Jesuíno Brilhante, um
homem bem sucedido em sua época, mas que resolveu trilhar pelo
cangaço, deixando que a vingança e a violência dominassem o seu
coração.
Depois de ler quase tudo que se referisse ao cangaceiro, é assim que
Nando o apresenta:

Jesuíno Alves Brilhante,
Agricultor, fazendeiro,
Um homem bem-sucedido
Laçador e bom vaqueiro.
Mas querendo se vingar
Passou a ser cangaceiro.

Escrever sobre Jesuíno tornou-se um desafio, já que pouco se contou
sobre ele. Mas o poeta cônscio de sua arte não o teme. É feito o
garimpeiro que busca a pedra mais preciosa. Nestas estrofes
encontraremos a intrepidez e a coragem de um cangaceiro que enxergava
à frente do seu tempo. Homem que respeitava as mulheres, dando-lhes
voz, vez, espaço e respeito.

Para entrar no seu bando,
Cumpriria o mandamento:
Não tocar no que é alheio,
Mulher, só no casamento.
Todos os membros que entrassem
Faziam esse juramento.

Roubar era de fato proibido ainda que fosse para servir ao bando.
Mesmo entre os violentos existem regras a serem cumpridas. Mas viver à
margem da lei e da ordem tem seu preço e com Jesuíno não fora
diferente. A perseguição e a espada, a bala e o punhal estavam em seu
encalço e por conta da sua rebeldia terminou tombando pelo poder
constituído. O Estado só não tem força maior que o povo, pois este,
caso queira, poderá desestruturá-lo. Todavia, no caso de Jesuíno era
apenas ele o seu bando.
Aqui, Nando Poeta conduz o leitor a conhecer a saga de um dos mais
importantes cangaceiros da história. Boa leitura.

Varneci Nascimento
São Paulo – novembro de 2012