19 de Maio de 2011 - 07:00
Coordenadoras do sistema nacional de bibliotecas públicas e do curso de biblioteconomia da UFRJ discutem avanços e desafios do segmento
Por LEONARDO TOLEDOIlce Cavalcanti e Mariza Russo
Coordenadora geral do sistema nacional de bibliotecas públicas da Fundação Biblioteca Nacional durante mais de cinco anos, Ilce Cavalcanti está retornando a sua instituição de origem, o Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia, com alguns números na ponta da língua. De 2004 a 2010, o ProLer (Programa Nacional de Incentivo à Leitura) viabilizou a inauguração de 1650 bibliotecas em todo o país e a modernização de outras 650, reduzindo a 36 o número de municípios brasileiros sem uma instituição do gênero.
Alinhada nos mesmos esforços, a coordenadora do curso de Biblioteconomia e Gestão de Unidades da Informação da UFRJ, Mariza Russo, participou da seleção dos dois mil livros que compõem o kit do Governo federal entregues a cada município. A professora, por sua vez, pondera para a necessidade de um acompanhamento contínuo desses novos acervos e ressalta a importância da formação dos profissionais da área. As duas especialistas em biblioteconomia estiveram em Juiz de Fora para participar da "5º Encontro Regional de Bibliotecas Públicas", que aconteceu entre os dias 9 e 13 no Instituto Vianna Júnior. Ilce e Mariza aceitaram o convite da Tribuna para um bate-papo sobre os rumos da leitura no Brasil e o futuro das instituições do gênero.
Tribuna - Em geral, como o Proler era recebido em comunidades que nunca tiveram acesso ao livro?
Ilce Cavalcanti - O Brasil é muito grande. A gente sabe de locais do Sudeste que estão tendo dificuldades, imagine no Nordeste. Temos muitas histórias para contar. Para levar o kit a certas regiões do Amazonas, temos que esperar que o rio baixe para o barco seguir, e ainda tem o chefe indígena que vai permitir a passagem ou não. Essa é a nossa realidade. Em sua maioria, a recepção foi excelente, mas encontramos de tudo. Há um contrato de comodato assinado entre a prefeitura e o presidência da Fundação da Biblioteca Nacional com um prazo, senão o material volta para a gente. Às vezes, entregamos os kits e ficamos cobrando a inauguração. Em outros casos, eles já estão com tudo pronto, festa na cidade com banda de música, rádio e a mídia toda.
Mariza Russo - O grande problema é a falta de acompanhamento. Inaugurou? Maravilha. E depois? Quem dá continuidade às coleções na biblioteca? Quem garante que há um profissional lá dentro? Quem dá certeza de que aquele equipamento não será retirado dali e colocado em outro lugar?
Ilce Cavalcanti - Esse é um problema seríssimo. Temos um acompanhamento através dos representantes em cada estado. Às vezes, são territórios muito grandes, como é o caso de Minas, e não há verba para se deslocar até lá. Concordo que não é só entregar o kit. Existem profissionais capacitados para atender essa demanda? Em grande parte dos casos não. Em alguns casos, as pessoas não querem trabalhar em determinada região. Outro ponto fraco que tentamos sanar é justamente a capacitação. Em 2009, tivemos um projeto financiado pela Petrobras para um curso à distância. O objetivo era atingir não só os bibliotecários, mas todos os personagens que atuavam nas bibliotecas públicas do país. A demanda foi muito grande.
Tribuna - Qual o perfil dessas pessoas que procuraram o curso?
Ilce Cavalcanti - Em geral, são profissionais que já atuavam nas bibliotecas públicas. Há uma deficiência muito grande nesse aspecto, não há bibliotecários em muitos locais, mas apenas pessoas com nível médio ou inferior. O município recebe dois mil livros nas diversas áreas do conhecimento, mobiliário, computadores e não tem capacidade de levar esse conteúdo ao público.
Mariza Russo - Vou dar um exemplo disso. Há dois anos, realizamos um evento na cidade de Bonito, no Mato Grosso do Sul. Era um congresso que reuniu mais de mil bibliotecários. Em certo momento, uma pessoa fez uma observação muito crítica de que estávamos realizando o evento em um município que não tinha biblioteca. A plateia ficou horrorizada e terminamos com esse mal-estar. No dia seguinte, entrei em uma lan house cheia de garotos, com gente na chuva esperando lugar para entrar, e perguntei se havia biblioteca na cidade. Me responderam que sim. Indaguei como, pois até o secretário de cultura estava no congresso e ninguém havia falado nada. Saí debaixo de chuva para procurá-la. Custei a encontrar, mas cheguei. Era uma graça de edifício, que parecia um livro aberto: de um lado estava o acervo e do outro um laboratório com uns dez computadores, todos vazios. A moça responsável pelo atendimento me contou que sabia do evento, mas que o secretário não tinha deixado que ela fosse porque não era graduada na área. Achei uma pena, pois era uma oportunidade de ela sentir o cheiro da biblioteconomia e que poderia ter despertado o interesse em fazer o curso. Daí, a importância de se falar nesse curso à distância. É preciso divulgar essas iniciativas, porque essa moça de Bonito não teria como ir para a capital do estado, mas poderia aprender de lá mesmo e ver como dinamizar aquela biblioteca, atrair aqueles meninos que estavam na lan house para aqueles computadores que estavam vazios.
Tribuna - E quais são esses recursos para dinamizar uma biblioteca?
Ilce Cavalcanti - Há uma assessoria técnica para aquelas bibliotecas que precisam. Não temos equipes para atuar permanentemente nos 27 estados, mas trabalhamos diretamente com as coordenadorias estaduais. Sempre que nos convidam, fazemos o maior esforço para estarmos presentes. Entretanto, depende muito de quem está à frente das prefeituras. Alguns têm o maior interesse, mas outros não têm a menor visão. Muitas vezes, os prefeitos não querem implantar ou fecham os espaços que já existem.
Mariza Russo - Eu poderia complementar com algumas atividades que podem dinamizar a biblioteca, como realizar atividades culturais, chamar escritores para contar a história de como nasceu o livro e fazer tardes de autógrafos, organizar feiras do livro, entrevistas com poetas.
Ilce Cavalcanti - Mas, para isso, é preciso de uma visão profissional sobre o assunto. Se as pessoas não conhecem os meios disponíveis, é difícil chegar a esse objetivo. Essa formação é importante até na organização do acervo e no atendimento ao público para atender sua necessidade de informação.
Mariza Russo - Se o bibliotecário for uma pessoa criativa, consegue cativar a comunidade em que está atuando. Há experiências na Alemanha em que
as bibliotecas emprestam não só livros, mas guarda-chuvas e óculos para situações emergenciais. Essa experiência de criar um espaço agradável para o leitor foi levada à Colômbia, um país que tinha um altíssimo grau de envolvimento com o narcotráfico. A iniciativa ajudou a mudar o cenário local e colocou as instituições do país na linha de ponta.
Ilce Cavalcanti - Estamos copiando esse modelo na Biblioteca de São Paulo (construída no local onde era a Penitenciária do Carandiru) e na Biblioteca de Manguinhos. Mas quero ressaltar que o profissional deve ter capacidade de gerenciamento dos recursos. Ele não pode depender só dos recursos federais, municipais e federais. Precisa ter competência de apresentar projetos às empresas.
Mariza Russo - Na UFRJ, temos a disciplina "Planejamento e elaboração de projetos". O profissional que não dominar isso não sobrevive. É preciso saber vender a sua ideia para captar recursos. Pegando esse gancho, outra coisa que nos preocupa é que estamos formando um profissional diferenciado. Ele vai entrar no mercado e encontrar um profissional convencional, que foi formado em outro modelo. Não pode haver uma mudança brusca. Sempre digo aos meus alunos que comecem devagar, comendo o mingau pelas beiradas. Por isso, estamos programando cursos de extensão para bibliotecários formados, pois eles precisam de se modernizar. Para se ter uma ideia, essas pessoas formam uma massa de 30 mil profissionais em todo o Brasil.
Tribuna - Muitas vezes, os usuários não têm condições de se deslocar até à biblioteca pública da cidade. Como fazer para que esse público também tenha acesso ao livro com qualidade?
Ilce Cavalcanti - Nossa meta era zerar o número de municípios sem bibliotecas no Brasil até 2010. Estamos próximos disso. Restam apenas 36 municípios em todo o país. Temos os kits já comprados, mais ainda não foram distribuídos por falta da entrega de documentação por parte das prefeituras. A preocupação do Ministério da Cultura agora é atender bibliotecas em municípios com zonas rurais para tentar resolver esse problema do acesso. Assim, vamos multiplicando gradualmente os números.
Alinhada nos mesmos esforços, a coordenadora do curso de Biblioteconomia e Gestão de Unidades da Informação da UFRJ, Mariza Russo, participou da seleção dos dois mil livros que compõem o kit do Governo federal entregues a cada município. A professora, por sua vez, pondera para a necessidade de um acompanhamento contínuo desses novos acervos e ressalta a importância da formação dos profissionais da área. As duas especialistas em biblioteconomia estiveram em Juiz de Fora para participar da "5º Encontro Regional de Bibliotecas Públicas", que aconteceu entre os dias 9 e 13 no Instituto Vianna Júnior. Ilce e Mariza aceitaram o convite da Tribuna para um bate-papo sobre os rumos da leitura no Brasil e o futuro das instituições do gênero.
Tribuna - Em geral, como o Proler era recebido em comunidades que nunca tiveram acesso ao livro?
Ilce Cavalcanti - O Brasil é muito grande. A gente sabe de locais do Sudeste que estão tendo dificuldades, imagine no Nordeste. Temos muitas histórias para contar. Para levar o kit a certas regiões do Amazonas, temos que esperar que o rio baixe para o barco seguir, e ainda tem o chefe indígena que vai permitir a passagem ou não. Essa é a nossa realidade. Em sua maioria, a recepção foi excelente, mas encontramos de tudo. Há um contrato de comodato assinado entre a prefeitura e o presidência da Fundação da Biblioteca Nacional com um prazo, senão o material volta para a gente. Às vezes, entregamos os kits e ficamos cobrando a inauguração. Em outros casos, eles já estão com tudo pronto, festa na cidade com banda de música, rádio e a mídia toda.
Mariza Russo - O grande problema é a falta de acompanhamento. Inaugurou? Maravilha. E depois? Quem dá continuidade às coleções na biblioteca? Quem garante que há um profissional lá dentro? Quem dá certeza de que aquele equipamento não será retirado dali e colocado em outro lugar?
Ilce Cavalcanti - Esse é um problema seríssimo. Temos um acompanhamento através dos representantes em cada estado. Às vezes, são territórios muito grandes, como é o caso de Minas, e não há verba para se deslocar até lá. Concordo que não é só entregar o kit. Existem profissionais capacitados para atender essa demanda? Em grande parte dos casos não. Em alguns casos, as pessoas não querem trabalhar em determinada região. Outro ponto fraco que tentamos sanar é justamente a capacitação. Em 2009, tivemos um projeto financiado pela Petrobras para um curso à distância. O objetivo era atingir não só os bibliotecários, mas todos os personagens que atuavam nas bibliotecas públicas do país. A demanda foi muito grande.
Tribuna - Qual o perfil dessas pessoas que procuraram o curso?
Ilce Cavalcanti - Em geral, são profissionais que já atuavam nas bibliotecas públicas. Há uma deficiência muito grande nesse aspecto, não há bibliotecários em muitos locais, mas apenas pessoas com nível médio ou inferior. O município recebe dois mil livros nas diversas áreas do conhecimento, mobiliário, computadores e não tem capacidade de levar esse conteúdo ao público.
Mariza Russo - Vou dar um exemplo disso. Há dois anos, realizamos um evento na cidade de Bonito, no Mato Grosso do Sul. Era um congresso que reuniu mais de mil bibliotecários. Em certo momento, uma pessoa fez uma observação muito crítica de que estávamos realizando o evento em um município que não tinha biblioteca. A plateia ficou horrorizada e terminamos com esse mal-estar. No dia seguinte, entrei em uma lan house cheia de garotos, com gente na chuva esperando lugar para entrar, e perguntei se havia biblioteca na cidade. Me responderam que sim. Indaguei como, pois até o secretário de cultura estava no congresso e ninguém havia falado nada. Saí debaixo de chuva para procurá-la. Custei a encontrar, mas cheguei. Era uma graça de edifício, que parecia um livro aberto: de um lado estava o acervo e do outro um laboratório com uns dez computadores, todos vazios. A moça responsável pelo atendimento me contou que sabia do evento, mas que o secretário não tinha deixado que ela fosse porque não era graduada na área. Achei uma pena, pois era uma oportunidade de ela sentir o cheiro da biblioteconomia e que poderia ter despertado o interesse em fazer o curso. Daí, a importância de se falar nesse curso à distância. É preciso divulgar essas iniciativas, porque essa moça de Bonito não teria como ir para a capital do estado, mas poderia aprender de lá mesmo e ver como dinamizar aquela biblioteca, atrair aqueles meninos que estavam na lan house para aqueles computadores que estavam vazios.
Tribuna - E quais são esses recursos para dinamizar uma biblioteca?
Ilce Cavalcanti - Há uma assessoria técnica para aquelas bibliotecas que precisam. Não temos equipes para atuar permanentemente nos 27 estados, mas trabalhamos diretamente com as coordenadorias estaduais. Sempre que nos convidam, fazemos o maior esforço para estarmos presentes. Entretanto, depende muito de quem está à frente das prefeituras. Alguns têm o maior interesse, mas outros não têm a menor visão. Muitas vezes, os prefeitos não querem implantar ou fecham os espaços que já existem.
Mariza Russo - Eu poderia complementar com algumas atividades que podem dinamizar a biblioteca, como realizar atividades culturais, chamar escritores para contar a história de como nasceu o livro e fazer tardes de autógrafos, organizar feiras do livro, entrevistas com poetas.
Ilce Cavalcanti - Mas, para isso, é preciso de uma visão profissional sobre o assunto. Se as pessoas não conhecem os meios disponíveis, é difícil chegar a esse objetivo. Essa formação é importante até na organização do acervo e no atendimento ao público para atender sua necessidade de informação.
Mariza Russo - Se o bibliotecário for uma pessoa criativa, consegue cativar a comunidade em que está atuando. Há experiências na Alemanha em que
as bibliotecas emprestam não só livros, mas guarda-chuvas e óculos para situações emergenciais. Essa experiência de criar um espaço agradável para o leitor foi levada à Colômbia, um país que tinha um altíssimo grau de envolvimento com o narcotráfico. A iniciativa ajudou a mudar o cenário local e colocou as instituições do país na linha de ponta.
Ilce Cavalcanti - Estamos copiando esse modelo na Biblioteca de São Paulo (construída no local onde era a Penitenciária do Carandiru) e na Biblioteca de Manguinhos. Mas quero ressaltar que o profissional deve ter capacidade de gerenciamento dos recursos. Ele não pode depender só dos recursos federais, municipais e federais. Precisa ter competência de apresentar projetos às empresas.
Mariza Russo - Na UFRJ, temos a disciplina "Planejamento e elaboração de projetos". O profissional que não dominar isso não sobrevive. É preciso saber vender a sua ideia para captar recursos. Pegando esse gancho, outra coisa que nos preocupa é que estamos formando um profissional diferenciado. Ele vai entrar no mercado e encontrar um profissional convencional, que foi formado em outro modelo. Não pode haver uma mudança brusca. Sempre digo aos meus alunos que comecem devagar, comendo o mingau pelas beiradas. Por isso, estamos programando cursos de extensão para bibliotecários formados, pois eles precisam de se modernizar. Para se ter uma ideia, essas pessoas formam uma massa de 30 mil profissionais em todo o Brasil.
Tribuna - Muitas vezes, os usuários não têm condições de se deslocar até à biblioteca pública da cidade. Como fazer para que esse público também tenha acesso ao livro com qualidade?
Ilce Cavalcanti - Nossa meta era zerar o número de municípios sem bibliotecas no Brasil até 2010. Estamos próximos disso. Restam apenas 36 municípios em todo o país. Temos os kits já comprados, mais ainda não foram distribuídos por falta da entrega de documentação por parte das prefeituras. A preocupação do Ministério da Cultura agora é atender bibliotecas em municípios com zonas rurais para tentar resolver esse problema do acesso. Assim, vamos multiplicando gradualmente os números.