quarta-feira, 11 de julho de 2012

“Não há percepção da literatura brasileira no exterior”, afirma editor da revista Granta


Prestigiada revista literária lança na Flip edição batizada de “Os melhores jovens escritores brasileiros”; John Freeman diz que publicação pretende revelar literatura do Brasil no mundo
Edição da Granta dedicada a escritores brasileiros (Foto: Divulgação)
Edição da Granta dedicada a escritores brasileiros (Foto: Divulgação)
Uma edição especial com 20 jovens autores brasileiros pode ajudar a promover a nova geração de escritores brasileiros no exterior – e lançar luzes sobre a cultura e a vida no Brasil, afirma John Freeman, editor da revista literária britânica Granta.
Em entrevista à BBC Brasil, Freeman considera “triste” se falar apenas de crescimento econômico e eventos esportivos no Brasil no exterior sem que haja uma percepção maior sobre a literatura do país.
Durante a Festa Literária de Paraty, a Flip, a Granta lançou uma edição especial dedicada apenas a autores brasileiros, com contos e trechos de romances inéditos selecionados em um concurso que contou com 247 trabalhos inscritos, todos por autores de menos de 40 anos.
Prestigiosa revista literária inglesa, a Granta publicou em 1983 sua primeira lista dos melhores jovens escritores britânicos, inaugurando uma tradição que se repete a cada dez anos e é cercada de expectativas por antecipar nomes importantes na cena literária de língua inglesa.
Agora, é a primeira vez que o modelo chega ao Brasil. “Os melhores jovens escritores brasileiros” foi publicada em português, mas será lançada em inglês, chinês e espanhol, fazendo os autores selecionados circularem entre um público amplo.


Os escritores que tiveram seus trabalhos publicados são Cristhiano Aguiar; Javier Arancibia Contreras; Vanessa Barbara; Carol Bensimon; Miguel Del Castillo; João Paulo Cuenca; Laura Erber; Emilio Fraia; Julián Fuks; Daniel Galera; Luisa Geisler; Vinicius Jatobá; Michel Laub; Ricardo Lísias; Chico Mattoso; Antonio Prata; Carola Saavedra; Tatiana Salem Levy; Leandro Sarmatz; e Antônio Xerxenesky.
Leia abaixo os principais trechos da entrevista.
É a primeira vez que uma lista dessas é feita para o Brasil. O que isso representa para a literatura brasileira?
John Freeman: A lista tem muitos significados, mas o principal é apresentar uma geração de escritores. Aqui está uma geração que, esperamos, todos no Brasil e agora no mundo vão ler nos próximos anos. É uma chance de debater essa lista, analisar esse trabalho.
O interessante em formular listas de jovens autores é que eles olham para o mundo de uma maneira diferente de escritores mais velhos. Eles estão se definindo, encontrando a sua voz, muitos deles escrevem seus trabalhos mais ambiciosos antes dos 40. É uma chance de ver o que isso revela sobre o Brasil.
E o que você acha que o conjunto de autores selecionados revela sobre o Brasil?
John Freeman: Essa é uma geração que cresceu em grande parte fora da ditadura militar, em tempos de oportunidades crescentes e de desenvolvimento econômico, de movimento para a cidade e tendência ao cosmopolitanismo. Esses são autores que viveram ao redor do mundo e que estão absorvendo influências não apenas da América Latina ou do Brasil, mas de escritores do mundo todo.
Eu encontrei um enorme frescor na escrita, uma inquietude com a forma, um foco na família como um ponto central que orienta a vida, algo que em algum grau pode ser semelhante a autores do passado.
O norte-americano John Freeman, editor da revista Granta (Foto: Divulgação)
O norte-americano John Freeman, editor da revista Granta (Foto: Divulgação)
Durante a coletiva de imprensa, você mencionou que vários autores que estão na Flip neste ano fizeram parte de listas de jovens autores da Granta no passado, como Ian McEwan, Jonathan Franzen e Alejandro Zambra. O que isso pode trazer para os autores?
John Freeman: Isso significa que as pessoas estão de olho neles agora, que vão observar o que acontece no futuro. Isso tem um significado enorme para vendas no exterior e possibilidade de ser traduzido. Vejo isso pela lista de jovens autores que fizemos na nossa edição espanhola. Muitos deles foram traduzidos para outras línguas depois, não apenas inglês.
A outra vantagem é que a lista os coloca em diálogo com outros jovens autores, e isso vira uma espécie de confraria.
Como você acha que a literatura brasileira é percebida no exterior hoje?
John Freeman: Na verdade ela não tem uma percepção. Muitas pessoas se apaixonaram pelo Jorge Amado, leem Machado de Assis, a Clarice Lispector está sendo retraduzida no momento… Mas não há uma percepção da literatura brasileira como há da argentina, ou colombiana, ou peruana.
Acho que em grande parte isso acontece porque nenhum brasileiro ganhou o prêmio Nobel. Quando alguém ganha o Nobel, ele se torna um portal gigante para a sua cultura, e às vezes outros autores podem viajar na sua cola.
Hoje o Brasil recebe muita atenção do exterior, mas esse discurso é puxado pelo crescimento econômico e dos megaeventos que o país vai sediar?
John Freeman: É, futebol. Eu acho triste quando isso acontece porque despe o país de seu imaginário, das histórias que ele conta sobre si, sobre as pessoas que vivem nele. Imagina se tivéssemos produtos americanos, mas nenhuma ficção americana. Seria muito desmoralizante, teríamos que pensar nos Estados Unidos com base em seus carros, sei lá.
O mesmo vale para a China. O país está crescendo muito rápido, está em uma posição semelhante ao Brasil, mas se não há escritores ou músicos ou cineastas contando a história do país como ele é, você começa a tratar os países como motores do capitalismo. E o capitalismo é algo maravilhoso, mas também algo destrutivo.
Então neste contexto onde o crescimento econômico é tão valorizado, a ficção e a literatura podem ser uma chave para vislumbrar as vidas das pessoas?
John Freeman: Sim, eu acho que é a maneira mais poderosa de imaginar como é ser outra pessoa. Podemos vestir roupas fabricadas no Brasil, ou podemos tentar seguir os seus passos de dança – o que, vindo de um americano, é uma má ideia. Mas a maneira como podemos realmente tentar entender como é viver aqui é lendo seus escritores.
O jornalismo só pode nos levar até determinado ponto, porque é sobre outra pessoa, é distanciado. Jornalistas têm muitas ferramentas, mas não têm as ferramentas que escritores de ficção têm, que é de inventar e torcer o tecido da realidade e transformá-la em algo novo, o que às vezes pode contar a verdade de uma maneira mais fiel do que as coisas factuais.
GRANTA
A Granta foi fundada em 1889 por estudantes da prestigiada Universidade de Cambridge. Nos anos 1970, a revista enfrentou probelmas financeiros e foi resgatada por um grupo de jovens estudantes de pós-graduação, que a tornaram uma publicação focada em novos autores. Desde 1979, alguns dos mais importantes autores emergentes tiveram textos publicados na revista, entre os quais Milan Kundera, Doris Lessing, Ian McEwan, Gabriel Garcia Marquez, Jayne Anne Phillips e Salman Rushdie. A revista é publicada, em geral, a cada trimestre, mas não tem periodicidade fixa.
Fonte: Último Segundo iG | BBC Brasil