Por Mariana Sanches
Seria natural que Gizelle tivesse ódio de um lugar que a afastou para sempre do marido, com quem viveu por 10 anos. Mas, aconteceu o contrário. “Assim como ele perdeu a vida, o trabalho dele ali também foi perdido, quando o terremoto aconteceu. O país estava em um momento melhor, a violência estava diminuindo, ele já tinha uma sensação de dever cumprido, e aí aconteceu a tragédia”, conta Gizelle. “Então eu queria, de algo maneira, ajudar a reconstruir ao menos uma parte do trabalho que ele fez, nos sete meses em que se dedicou. Tanto que na missa de sétimo dia dele, um dia depois do enterro, já pedi para as pessoas trazerem pra igreja galões de água e sardinha em lata para a gente mandar pro Haiti”.
TRANSFORMAR LÁGRIMAS EM LIVROS
Para isso, procurou o grupo Corujão da Poesia, criado por João Luiz de Souza, assessor de cultura da Universidade Salgado de Oliveira, no Rio. O Corujão, apadrinhado pelo cantor Jorge Ben Jor, já arrecadou mais de 300 mil livros em todo o Brasil todo para formar bibliotecas e pontos de empréstimos (que eles chamam de libertação) de livros. “Ela nos procurou em abril. Disse que a leitura era uma das coisas que o marido dela mais gostava na vida. Abraçamos a causa”, conta João. O trabalho não é nada fácil, especialmente porque os livros doados precisam estar escritos em francês. Ainda assim, Gizelle e João já conseguiram arrecadar cerca de 1.700 livros. A primeira remessa do material, enviado via exército brasileiro, chegou ao Haiti no final de junho.
Mas, uma biblioteca não se faz só com livros. O desafio de Gyselle e João é conseguir sete mesas, 30 cadeiras, estantes. Será preciso até mesmo um gerador de energia elétrica. Desde o terremoto, a escola não tem luz. Só com um gerador, as crianças poderão aproveitar os 80 DVDs em francês que Gyzelle e João já conseguiu reunir. Mas nenhum dos dois parece pessimista diante da missão? “Inicialmente nossa meta era conseguir dois mil livros. A pedido do Jorge Ben Jor, aumentamos essa meta para quatro mil”, afirma João do Corujão.
Para Gizelle, embora mexa numa ferida, o trabalho voluntário no Haiti a ajuda a fazer justiça ao marido. “Ele lutou muito por aquele povo. Quando me devolveram o computador dele, pude ver as centenas de fotos que ele tinha tirado, abraçando os haitianos, se dedicando. Não havia uma fotografia em que os olhos dele não brilhassem. Era uma vontade dele de ir e ajudar. De alguma maneira ele transmitiu isso para mim. Essa missão é minha agora.”
Se empolgou em ajudar e tem algum livro em francês dando sopa em casa? Então pode escrever para a.cultura@nt.universo.edu.br . O Corujão e Gyzelle dão um jeito de buscá-lo em qualquer lugar do Brasil.
Fonte: http://colunas.revistamarieclaire.globo.com