Postado por Alex Botsaris em March 1, 2011.
É clinica a constatação de que a leitura contribui na recuperação da saúde mental. Inicialmente, isso foi percebido nos pacientes, sem que houvesse uma ideia exata de como isso ocorria. O hábito de ler ajuda na atividade cerebral: lentifica as ondas cerebrais induzindo a um estado de mais relaxamento e estimula a memória, além da influência do conteúdo da leitura.
Biblioterapia é um termo criado por médicos norte-americanos durante a Segunda Guerra Mundial. Nessa época, psiquiatras que acompanhavam as tropas americanas notaram que os soldados feridos – que tinham acesso à leitura e liam muito durante sua recuperação no hospital – tinham uma evolução melhor, em diferentes tipos de problemas de saúde, comparados àqueles que ficavam sem nada para fazer.
Baseados nessa observação, esses psiquiatras conseguiram um incentivo para dar acesso à leitura a todos os pacientes. Ao mesmo tempo, começaram a investigar o efeito da leitura em alguns problemas psiquiátricos. Na sua investigação, soldados, que tinham um problema comum nas guerras, chamado estresse pós-traumático, também se beneficiaram da leitura de livros. Isso popularizou esse tratamento entre médicos militares.
Hoje em dia, a VA (Veterans Administration) – entidade que cuida da saúde dos militares norte-americanos – possui um extenso manual de biblioterapia, com indicação para várias doenças psiquiátricas, além de disponibilizar biblioterapêutas para seus pacientes. No material da VA, há indicação de uso da leitura específica para tratar depressão, ansiedade, distúrbio bipolar, transtorno obsessivo compulsivo, esquizofrenia, dependência química, programas de bem-estar, prevenção de várias doenças, distúrbios sexuais, e, obviamente, em estresse pós-traumático.
Biblioterapeuta indica a leitura
Para ter alguns benefícios da leitura, basta começar a ler um bom livro todos os dias. Entretanto, quando se trata de um tratamento com biblioterapia, a estratégia é mais complexa e exige uma participação fundamental do terapeuta. No tratamento, o terapeuta escolhe os livros que o paciente vai ler – que ele conhece o conteúdo – para, em seguida, conversar sobre os conteúdos lidos. O paciente pode receber uma recomendação de reler o texto, em situações específicas. Ele pode também ser estimulado a escrever ou desenhar sobre os conteúdos lidos. Às vezes, o biblioterapeuta pode ler os conteúdos para o paciente.
Não somente o ato de ler é benéfico, mas os conteúdos também são importantes para os resultados esperados. A prática da biblioterapia está em escolher conteúdos, tipos de texto, tamanho e ritmo de leitura, adequados, para o resultado esperado. Por exemplo, a leitura adequada para insônia é mais lenta e repetitiva. Não é adequado propor um texto excitante de um romance para isso. Por outro lado, muitas ficções romanceadas podem ajudar na elaboração de conflitos pessoais e, por isso, estão indicadas em diferentes problemas psiquiátricos. Alguns psicóticos, como portadores de esquizofrenia, têm uma excelente adaptação a poesias e outros textos altamente simbólicos.
No Brasil, a biblioterapia ainda é muito incipiente. Alguns pesquisadores têm se interessado, mas a sua pratica é limitada pela falta de terapeutas treinados. Esperamos que em breve seja possível contar com mais essa ajuda para a saúde. Enquanto ela não vem, a solução é começar logo a ler um bom livro.
Eficiente para crianças
Não só na experiência do VA, mas também em outros centros de pesquisa e universidades do mundo, o emprego da biblioterapia em psicologia e psiquiatria tem sido crescente. Entretanto, num segmento, o da psicologia e psiquiatria infantil, essa técnica se revelou especialmente eficiente. Um dos pioneiros nessa área foi o psicólogo austríaco radicado nos Estados Unidos, Bruno Bettelheim, diretor por muitos anos do Instituto Sonia-Shankman para crianças psicóticas em Chicago. Ele descobriu o poder de histórias, mitos e jogos infantis sob o estado psicológico das crianças, e utilizava exclusivamente esses recursos no tratamento de seus pequenos pacientes, com resultados extraordinários.
Bettelheim costumava selecionar um grupo de mitos e histórias, conforme o histórico das crianças, que ia contando, até descobrir qual tinha mais impacto. Em geral, os pacientes sinalizavam que gostariam de ouvir novamente a história que mais se encaixava em sua problemática – e, então, revisitando muitas vezes a mesma história e trabalhando seu conteúdo simbólico, Bettelheim conseguia que essas crianças elaborassem seus conflitos. Hoje em dia, quase todos os terapeutas de crianças trabalham com essas técnicas em virtude do sucesso relatado por psicólogos e psiquiatras em todo mundo. Bruno Bettelheim nunca usou o termo biblioterapia, mas a sua técnica, sem dúvida está dentro desse conceito.
Por que ler traz bem-estar mental?
Os estudos recentes mostram que o tipo de simbolização (e imaginação) que as pessoas fazem quando leem um livro é muito diferente daquela gerada por um filme ou outro método audiovisual. A pessoa constrói as imagens livremente em sua imaginação de acordo com seu universo conceitual. Dessa forma, ela adapta o imaginário da leitura às suas vivências e pode elaborá-las de forma mais eficiente do que nas experiências com recursos que possuem imagem, como o cinema. Também a leitura permite que a pessoa releia certas partes do conteúdo diversas vezes, quando há uma motivação, o que não ocorre em outros tipos de mídia. Isso reforça a importância da leitura, e o motivo da sua não-substituição total por outras formas de acesso a informação e ao conhecimento.
Leitura à noite pode ajudar a combater insônia
Biblioterapia tem sido proposta para o tratamento de vários outros problemas de saúde além das doenças psiquiátricas. Uma das áreas onde há um forte benefício para o emprego da leitura é nos distúrbios do sono. Numa época onde os meios eletrônicos se expandem cada vez mais – e há indícios que essa expansão possa ter relação com o aumento dos casos de insônia e distúrbios do sono – resgatar a importância da leitura para regularizar o ritmo do sono é um avanço.
Talvez a primeira referência do uso da leitura no tratamento de insônia seja a lenda das Mil e Uma Noites. Nela, a princesa Xerazade estaria condenada a morrer, porque o Rei Persa Xariar mandava decapitar todas esposas na noite seguinte às núpcias temendo uma traição. Ela escapa da morte contando histórias que fazem o rei dormir. Ansiando para saber o final de cada história e agradecido por ela ter resolvido sua dificuldade de dormir, ele poupa a vida da princesa dia após dia contabilizando mil e uma noites, até que ele desiste da execução. Hoje em dia, muitos especialistas em sono têm recomendado aos portadores de insônia para evitar televisão e computador no final do dia, trocando pelas páginas de um bom livro. As evidências são que ler à noite ajuda a reduzir a atividade cerebral, o que auxilia a conciliar o sono.
Há ainda referências de que a leitura habitual auxilia a minimizar o distúrbio de memória do idoso, conhecido pela sigla ARMI (age related memory impairment). Durante a leitura, há um estímulo específico no cérebro que ajuda na formação de sinapses numa estrutura cerebral chamada corpo caloso. Em geral, quanto mais conexões através do corpo caloso, mais conexões de memória a pessoa tem, auxiliando esse processo. Outra forma que a leitura ajuda na memória é melhorando a qualidade do sono, já que a memória transitória se transforma em definitiva nesse período.
Artigo escrito pelo clínico geral Alex Botsaris, autor de livros como Sem Anestesia, Medicina Doce e Medicina Complementar.