domingo, 25 de dezembro de 2011

Leitura em pauta

Projeto de lei propõe obrigatoriedade das bibliotecas em escolas; estudos mostram que apenas distribuir acervos é insuficiente
Nete de Moraes
Gustavo Morita
CEU Jaçanã, em São Paulo: biblioteca exemplar, bem distante da realidade média de outras cidades brasileiras

Um projeto de lei (PL 3.044/08), atualmente em tramitação na Câmara dos Deputados, quer fazer com que as escolas tenham, obrigatoriamente, uma biblioteca em suas dependências. De autoria do deputado Sandes Júnior (PP/GO), o projeto determina que, num prazo de cinco anos, todas as escolas do país devem ter bibliotecas com acervo mínimo de quatro livros por aluno. Prevê também que as bibliotecas devem, num prazo máximo de dez anos, contar com bibliotecários de ofício.
"Não é por uma questão legal, salvo raríssimas exceções, que as bibliotecas continuam a existir. Na maioria delas inexistem serviços de informação e leitura dignos, apesar dos esforços dos profissionais que nelas atuam. Os livros continuam sendo adquiridos, mas as carências de pessoal habilitado e qualificado persistem", relata Raimundo Martins de Lima, professor do curso de biblioteconomia e vice-presidente do Departamento de Ciências e Letras da Universidade Federal do Amazonas (Ufam).



A constatação da realidade atual das bibliotecas escolares tem funcionado como um desestímulo aos alunos do curso de biblioteconomia, diz Martins Lima. A sensação geral é que a disparidade entre o que aprendem na universidade e o que existe, de fato, nas escolas é intransponível. "Acabam mudando o foco de suas decisões e excluem a educação na hora de escolher a área em que pretendem atuar."
Para Martins Lima, o fato de os gestores das escolas públicas não estarem mais contratando bibliotecários apenas confirma que a maioria deles desconhece o papel pedagógico da biblioteca escolar. "Se com a presença do bibliotecário, profissional que estuda as técnicas de tratamento, organização, disseminação, busca, recuperação e transferência da informação nas mais variadas mídias, não for mais facilitado o alcance dos objetivos das escolas, certamente isso não acontecerá com os leigos", analisa.
Fator diferencial
Os estudantes brasileiros possuem baixa competência em leitura e escrita, como atestam os índices de aprendizagem dos alunos mensurados tanto pelo Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), quanto pelo Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa). Uma das questões que vem ganhando corpo na análise deste problema é o lugar que a biblioteca escolar pode ocupar nas estratégias para aumentar e melhorar os hábitos de leitura dos alunos.
A distribuição de acervos, via Programa Nacional de Bibliotecas Escolares, só tem se ampliado. No entanto, há um índice claro de que apenas a distribuição não é suficiente para resolver o problema. Pesquisa encomendada pelo próprio Ministério da Educação, em parceria com a Unesco, e divulgada no ano passado mostra que muitos acervos distribuídos permanecem intocados ou mal aproveitados. E que a figura do bibliotecário - ou ao menos de um mediador de leitura que saiba fazer com que os livros circulem - pode fazer toda a diferença no processo.
Um diagnóstico recente sobre a condição das bibliotecas escolares da rede estadual de ensino médio em Manaus, Amazonas, mostra que a oferta de serviços e produtos de informação para atender às necessidades do público escolar é o que assegura o uso efetivo desse espaço. A simples existência do acervo não garante a alunos e professores a fruição ou mesmo um uso mais utilitário do acervo. O material acaba não dialogando com o projeto pedagógico.
A pesquisa evidencia a necessidade de ações efetivas para que as bibliotecas escolares possam cumprir seu papel pedagógico. É preciso, conclui o estudo, que haja uma flexibilização de critérios para aquisição do acervo, com um olhar que atenda a demandas regionais, por exemplo. Aponta ainda a necessidade de reestruturação das bibliotecas escolares. Intitulado "De usuário a cidadão: o acesso à informação ambiental em bibliotecas escolares de Manaus", o estudo deriva de pesquisa de mestrado em ciências do ambiente e sustentabilidade, da bibliotecária Yeda de Souza Penedo, na Universidade Federal do Amazonas (Ufam).
Contrastes
Inspeção recente feita pelo Conselho Regional de Biblioteconomia de São Paulo (CRB-8) em 40 escolas da rede estadual de São Paulo concluiu que o atendimento nas bibliotecas carece de profissionais com formação adequada, de projeto arquitetônico voltado a sua finalidade e de sistemas de informatização. A inspeção do CRB, em parte, confirma os resultados do levantamento realizado na rede estadual de ensino de São Paulo, em 2008. A rede paulista, por opção, diz preferir a adoção de salas de leitura em lugar de bibliotecas. Também tem por política não contratar bibliotecários de ofício. Grande parte dos educadores que estão à frente das salas de leitura são professores adaptados.

Já a rede municipal de São Paulo dispõe de bibliotecas nas 42 unidades dos Centros Educacionais Unificados (CEUs) e salas de leitura nas outras 700 escolas. Em 2008, a atual gestão realizou concurso público para preenchimento de cargos de bibliotecários, que já estão atuando nos CEUs.
Projeto mobilizador
"A biblioteca escolar, mais do que estimular o gosto pela leitura, tem a missão de preparar o aluno para ser independente no seu processo de aprendizagem, de forma contínua, ao longo de todas as etapas da educação. O que vemos hoje, no entanto, é a mera distribuição de livros, sem respeitar a realidade de cada comunidade escolar", avalia Evanda Perri Paulino, professora de biblioteconomia e ciência da informação da Fundação e Escola de Sociologia e Política de São Paulo (Fesp/SP) e presidente do Conselho Regional de Biblioteconomia de São Paulo (CRB).
"Estamos trabalhando para sensibilizar as autoridades sobre a importância da biblioteca escolar para melhorar os índices de educação. Os baixos índices educacionais apontam a necessidade de união de forças para melhorar a qualidade da educação no país", analisa. A educadora concebe leitura como uma das atividades que devem acontecer na biblioteca ou fora dela, para que os estudantes sejam habilitados a buscar, avaliar e a fazer uso ético da informação.
O conselho regional paulista desenvolveu um projeto que propõe a criação de um novo modelo de biblioteca escolar. "Queremos a autorização do governo para montar um projeto piloto em uma escola pública, na capital ou interior. Esse modelo prevê várias atividades e uma rede de conhecimento e informação que exige mais do que o espaço físico. Requer um espaço dentro da sala de aula com a inserção de um horário para o trabalho de capacitação informacional. E prevê a criação de uma rede de conhecimento em um espaço adequado e agradável, dotado de recursos tecnológicos e qualificação de todos os envolvidos no processo educacional", explica Evanda.
O projeto foi inspirado nos modelos de bibliotecas escolares de escolas públicas dos municípios paulistas de Garça e São Carlos. "Com poucos recursos, é possível fazer um bom trabalho, integrando todas as pessoas envolvidas no processo educacional: alunos, professor, coordenador pedagógico, supervisores e o bibliotecário", esclarece.
O profissional que trabalha na biblioteca escolar fazendo a mediação deve saber estabelecer o diálogo com todas as pessoas envolvidas no processo educacional. "É preciso dotar o aluno de critérios para utilizar as ferramentas de pesquisa, instrumentalizá-lo para saber ter acesso às fontes confiáveis. Tudo isso exige a mediação de alguém qualificado", explica.
Em âmbito nacional, o Conselho Federal de Biblioteconomia elaborou uma proposta batizada de Projeto Mobilizador - Construção de uma rede de informação para o ensino público, que sugere a formulação de políticas públicas que priorizem a criação de bibliotecas nas escolas públicas e sua integração por meio de uma rede informatizada que cubra todos os municípios brasileiros.