Saiu o meu novo livro infantojuvenil, A Lenda do Batatão (SESI-SP Editora), com ilustrações do mestre Jô Oliveira. O "Batatão", para quem não sabe, é um mito que evoluiu a partir do primitivo Mboitatá indígena. Este trabalho é um mergulho no Brasil profundo, que ainda conheci em minha infância, com os mal-assombros sob as copas dos umbuzeiros e a invasão de espíritos errantes à boca da noite, silenciados pelo canto do galo.
Abaixo, trecho da apresentação e as estrofes iniciais:
O Boitatá, personagem da mitologia americana, frequenta quase todos os livros sobre folclore. Da antiga serpente de fogo, que sobrevive ao dilúvio, ao Batatão, assombração dos charcos e matas do Nordeste, o mito passou por muitas transformações. Foi o Padre José de Anchieta o primeiro europeu a descrever o Boitatá, em 1560: “Há também outros (fantasmas), máxime nas praias que vivem a maior parte do tempo junto do mar e dos rios, e são chamados baetatá, que quer dizer “cousa de fogo”, o que é o mesmo como se dissesse ‘o que é todo de fogo’.” Baetatá deriva de duas palavras da língua tupi: mbay (coisa) e tata (fogo). No livro O selvagem (1876), o general Couto de Magalhães cita o Mboitatá, “gênero que protege os campos contra aqueles que o incendeiam; como a palavra o diz, Mboitatá é ‘cobra de fogo’.”
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O Batatão é um espírito que habita os charcos, associado, muitas vezes, às almas penadas que não terão descanso enquanto não acertarem contas deixadas no mundo material. A informação de Câmara Cascudo nos ajuda a entender melhor o papel desse fantasma na mentalidade popular: “Em Portugal são as ‘alminhas’, as ‘almas dos meninos pagãos’, a ‘alma que deixou dinheiro enterrado’ e não se salvará enquanto o outro estiver escondido”. É nessa última função que apresento o Batatão, cuja lenda, reconstituída a partir de minha vivência sertaneja, é contada, aqui, nos versos ágeis da literatura de cordel.
Ainda tenho saudades
Das noites do meu sertão,
Onde ouvia contar muitas
Histórias de assombração,
Nas salas iluminadas
Pela luz do lampião.
Quando o sol ia morrendo,
Se escondendo atrás da serra,
Deixava um vermelho vivo,
Como o que jorra na guerra,
E o manto escuro da noite
Envolvia toda a terra.
A lua, mãe dos poetas,
Não provocava ciúmes
Nas estrelas, olhos verdes,
Que iluminavam os cumes
Da serra enquanto, na mata,
Reinavam os vaga-lumes.
O pio da mãe-da-lua,
Apavorante gemido,
Nota de triste canção,
Quando chegava ao ouvido,
Parecia alma penada
Ou ente desconhecido.
Quando o mundo adormecia,
Os espíritos errantes
Saíam de suas tocas,
Com gestos extravagantes.
Alguns eram bem pequenos,
Já outros eram gigantes.
Nas matas mais afastadas,
Os sons da sinistra festa
Denunciavam que ali
Muita “coisa que não presta”
Assustava os caçadores,
Invasores da floresta.
Saci pitando o cachimbo
Fazia muita zoada;
Caipora riscava o mato
Montado numa queixada;
Gritador nos umbuzeiros
Era como alma penada.
Beirando os charcos se via
Uma luz na escuridão:
A alma de um afogado
Fazendo lamentação.
No Nordeste, esse fantasma
É chamado Batatão.
Quem encontra tais duendes
Sofre um terrível abalo.
Perde-se, fica lesado,
Que demoram de encontrá-lo,
Mas todos os entes somem
Depois do cantar do galo.
Uma vez, ouvi contar
A história de um vaqueiro
Do coronel Juca Bastos,
Tipo mau e desordeiro,
Que enquanto esteve no mundo
Só endeusou o dinheiro.
Nunca deu uma esmola,
Tinha raiva da pobreza,
Tratava os seus agregados
Com desmedida rudeza,
Viveu sem nunca mostrar
Um tico de gentileza.
Seu vaqueiro, Chico Lopes,
Por todos era benquisto,
Dizia para o patrão
Para não descrer de Cristo,
Mas o velho ameaçava
A castigá-lo por isto.
(...)
Em breve, lançamento!