Por Alexandra Alter e Luis Garcia | The Wall Street Journal
O
novo romance "Chopsticks" conta a história de uma jovem e problemática
pianista prodígio - usando fotos de família, cartas, documentos,
mensagens instantâneas e vídeos do YouTube. É uma história de amor e
mistério, e uma parábola sobre criatividade e loucura.
É
também um experimento que pode ter profundas implicações para o mercado
de livros em todo o mundo, à medida que editores ampliam a definição do
que constitui um livro. "Chopsticks" - inglês para "hachi", os
palitinhos que asiáticos usam para comer - cruza a fronteira digital que
está transformando o universo das editoras.
A
história, escrita por Jessica Anthony e pelo artista gráfico Rodrigo
Corral, será lançada como um livro impresso e como um aplicativo para
iPad e iPhone. A edição impressa, que estará disponível a partir de 2 de
fevereiro por US$ 19,99 nos Estados Unidos, é um livro maior do que o
padrão e saturado de cores. A versão digital será lançada
simultaneamente, por US$ 9,99, nas lojas de aplicativos da Apple e na
iTunes, também da Apple Inc., e permite ao leitor ampliar as imagens,
folhear álbuns de fotos, assistir a videoclipes, ouvir as músicas
preferidas dos personagens e ler as suas mensagens instantâneas. O
leitor pode até mudar a sequên-
cia da história, criando uma versão personalizada.
Livros
digitais incrementados - que têm recursos multimídia como áudio, vídeo,
gráficos que saltam na tela, imagens em 3D e animação - vêm sendo
apontados como a nova fronteira no cenário de livros digitais. O
explosivo crescimento das vendas de livros digitais, ou e-books,
associado à rápida adoção do iPad e outros computadores portáteis do
tipo tablet, como o Galaxy, da Samsung, e o Kindle, da Amazon, têm
levado os editores a experimentar novas formas de interatividade nos
livros. Muitos no mercado editorial estão observando atentamente para
ver se "Chopsticks" vai se transformar em um pioneiro literário que
inaugurará uma nova espécie de e-book, ou um alerta sobre um elaborado
fiasco.
A
editora britânica Penguin planeja lançar 50 e-books incrementados e
aplicativos de livros neste ano, ante 35 em 2011. Entre os projetos em
andamento está uma biografia do ativista americano de direitos humanos
Malcom X, com vídeos, fotos raras e um mapa interativo do histórico
bairro nova-iorquino do Harlem, onde ele morava. Um aplicativo da série
para jovens adultos "Academia de Vampiros" da Penguin, um dos seus
campeões de vendas, terá um mapa interativo dos personagens, fotos,
ilustrações, vídeos e conteúdo adicional escrito pelo autor. A editora
americana Simon & Schuster planeja lançar perto de 60 títulos para
crianças e adultos, incluindo livros de não ficção sobre jovens
inovadores, sapateado e neuropsicologia.
Numa
iniciativa que pode transformar radicalmente o mercado para a nova
geração de e-books, a Apple anunciou recentemente que vai fazer
parcerias com editores e educadores para criar livros didáticos digitais
e interativos. Como amostra, a empresa lançou uma versão grátis de
"Life on Earth" (Vida na Terra), um livro multimídia de biologia da
fundação americana E.O. Wilson, dedicada ao estudo e promoção da
biodiversidade. "Life on Earth" inclui recursos interativos como
animação do DNA, vídeos de formigas e espécies de árvores invasoras,
além de questionários.
Mas
muita gente no mercado editorial continua duvidando da disposição dos
leitores em pagar mais por esses recursos adicionais, ou mesmo que eles
queiram ter sua leitura interrompida por ornamentos e firulas digitais.
Alguns dizem que os livros devem evoluir para serem mais parecidos com
aplicativos, ou correm risco de extinção. Outros lembram que os editores
já tentaram isso antes, e falharam feio. Lembra do CD-ROM?
"O
consumidor não está pedindo isso", diz Jane Friedman,
diretora-presidente da Open Road Media, uma editora de livros digitais
que está experimentando com e-books incrementados. "O livro deixa de ser
uma experiência de leitura para ser algo diferente, e nós somos
editores".
Duda
Ernnany, que em 2009 fundou a livraria digital Gato Sabido, disse que
experiências iniciais com interatividade e multimídia em e-books no
Brasil não foram muito longe. "Eles nasceram e não tiveram filhos",
disse Ernanny.
Mas
depois de terem demorado a adotar tecnologias digitais, as editoras
mundiais não querem agora chegar atrasadas ao que pode ser a mais
importante transformação em seu mercado desde Gutenberg. As vendas de
e-books continuam a subir: os títulos digitais representaram 4% dos
livros vendidos nos EUA no segundo semestre de 2010, mas chegaram a 13%
um ano mais tarde, de acordo com a Bowker Market Research, uma firma de
análises do setor. Para algumas editoras, livros digitais já respondem
por 25% a 30% da receita. Um número crescente de compradores de livros
está lendo em tablets: 65 milhões deles foram vendidos no mundo em 2011,
em comparação a 17 milhões em 2010, segundo a firma de pesquisa IHS
iSuppli.
A
loja iBook, da Apple, tem agora centenas de títulos de e-books em
versão aprimorada, e sua loja de aplicativos para iPad tem mais de
25.000 aplicativos para livros.
O
fato de que os tablets se tornaram tão importantes para os livros
eletrônicos pode acabar jogando contra o crescimento dos e-books no
Brasil, porque os aparelhos ainda custam relativamente caro no país,
dizem executivos do setor.
O iPad, vendido nos EUA a partir de US$ 499, custa pelo menos R$ 1.629 (US$ 937) no Brasil.
Eduardo
Melo, que em 2010 criou a Simplíssimo, uma empresa que desenvolve e
ensina a desenvolver livros digitais, disse que, além do alto custo de
produção e do mercado incipiente, a falta de programadores qualificados é
outro empecilho para a proliferação de e-books incrementados no Brasil.
"A gente está uns dois ou três anos defasado em relação a qualquer
mercado americano ou europeu", disse ele.
Mas
mesmo nos mercados mais avançados nesse aspecto, só um punhado dos
lançamentos tecnicamente mais elaborados foram grandes sucessos.
A
editora britânica Touch Press tem lançado diversos títulos que fizeram
barulho. Um sobre crânios, do autor anglo-americano Simon Winchester,
apresenta uma galeria de mais de 300 crânios humanos e de animais que
podem ser girados 360 graus, alargados e visualizados em três dimensões
com óculos 3-D. "The Elements", que tem imagens interativas de cada
elemento da tabela periódica, tornou-se um best-seller, vendendo 250.000
cópias a US$ 13,99 cada, e trazendo mais de US$ 2,5 milhões em vendas.
O
ainda incipiente mercado de livros digitais no Brasil tem algumas
experiências com edições que oferecem alguma interatividade. Um exemplo é
a versão para iPad do livro infantil "Quem Soltou O Pum?", de Blandina
Franco e José Carlos Lollo, publicado pela Cia. das Letras. Lançado em
agosto passado por US$ 8,99 na loja iTunes, o e-book permite que o
leitor mexa objetos e o cachorro protagonista Pum. A Cia. das Letras não
respondeu a pedidos de informações sobre as vendas do e-book.
Aplicativos
altamente produzidos são caros de fazer, mas até agora têm sido
lucrativos, diz o diretor de criação da Touch Press, Theodore Gray. A
editora gastou US$ 120.000 em "The Waste Land" ("A Terra Desolada"), de
T. S. Elliot, e recuperou todo o investimento em quatro semanas e meia.
Mas
ainda há muita incerteza. Alguns dos editores desses e-books
aprimorados interromperam a produção devido a vendas anêmicas. A
Enhanced Editions, uma editora britânica de aplicativos para livros
eletrônicos fundada em 2008, lançou títulos de autores de peso como
Stephen King, Barack Obama e Nick Cave. Depois de não obter lucro na
maioria dos seus títulos, alguns com vendas abaixo de cem cópias, o
cofundador da empresa Peter Collingridge desistiu do negócio de
aplicativos.
"Os
consumidores não estão acordando de manhã dizendo: 'Eu realmente
preciso ver o Nick Cave quando ler o livro dele, e com trilha sonora'.
Nós estamos resolvendo um problema que não existia", diz Collingridge.
O
"Chopsticks" revelou-se tremendamente complexo para produzir. A equipe
de criação acabou virando uma pequena equipe de filmagem, com atores,
fotógrafos, cinegrafista, ilustrador e um punhado de programadores de
uma empresa de desenvolvimento de aplicativos do Reino Unido. Projetar o
aplicativo, que custou cerca de US$ 50.000, provocou desde questões
sobre direitos autorais até dilemas criativos sobre como inserir
recursos de multimídia sem sacrificar a elegância da história.
Puristas
soam alertas contra eliminar a separação entre livros e videogames. Mas
alguns escritores vêem isso como o futuro da narrativa. "Todas essas
narrativas digitais já existem ao nosso redor", diz Anthony. "Quando
você vai no YouTube ou no iTunes, encontra uma completa integração da
experiência da narrativa no seu computador como nunca houve antes."