domingo, 31 de março de 2013

Direito à informação é direito fundamental da pessoa humana


Siro Darlan

A Constituição de 1988 já está ficando velha, mas ainda encontra muitas resistências na sua efetivação. Está elencado entre os direitos fundamentais assegurados a todos “o acesso á informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional”. Não satisfeito com essa forma genérica o legislador constitucional repetiu-o de forma ainda mais didática que “todos têm direito a receber dos órgãos públicos, informações de seu interesse particular, coletivo ou geral, que serão prestados no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvados aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado”.

Nos países mais desenvolvidos como Estados Unidos, Suécia, Finlândia esse acesso tem sido garantido por normas democratizadoras de acesso à informação que permitiram dentre outros feitos históricos a derrubada por renúncia de do Presidente Nixon dos EUA e, no Brasil, tem ajudado a descortinar os segredos que mantiveram no escuro a mais sangrenta ditadura militar de nossa história.

No Brasil a Lei 8.159, de 8 de janeiro de 1991, disciplinou esse tema foi promulgada com o objetivo de “ assegurar o direito fundamental de acesso à informação.... com a observância da publicidade como preceito geral e o sigilo como exceção” e visa dentre outros objetivos “fomento ao desenvolvimento da cultura de transparência na administração pública, divulgação de informações de interesse público”



Prescreve o artigo 4º da citada lei que “todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular ou de interesse coletivo ou geral, contidas em documentos de arquivos, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujos sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado, bem como à inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas.”

Os estudiosos e pesquisadores desse tema reforçaram a ideia de que o exercício de cidadania não está limitado somente ao direito de voto. Para se legitimar esse ato [o da cidadania], os cidadãos[brasileiros] têm que se conscientizar que é um direito legítimo e assegurado pela“Constituição Cidadã” conhecer, não só as atividades de funcionalismo público, mas também sua produção documental, seus arquivos, ou seja, todas as transações comerciais ou não implementadas pelo governo, que por sua vez são documentada se arquivadas nessas repartições públicas.
O direito à informação é aquela contemplada na Declaração Universal dos Direitos Humanos, ou seja: o direito à informação é uma garantia fundamental que toda pessoa possui para atrair informação, informar e ser informada. Villanueva (1998), apud Díaz (2004, p.64),define estes três preceitos – atrair informação, informar e ser informada, como:

 “- el derecho a atraerse información incluye facultades de acceso a los archivos, registros y documentos públicos; así como la decisión de qué medio se lee, escucha o contempla;
- el derecho a informar incluye las libertades de expresión y de imprenta: así como la constitución de sociedades y empresas informativas;
- el derecho a ser informado incluye facultades de recibir información objetiva, oportuna y veraz, la cual debe ser completa y con carácter de universal – que la información sea para todas las personas sin exclusión alguna.”
O direito à informação está contemplado no artigo 19 da declaração Universal dos Direitos Humanos aprovada pela ONU desde 1948: “ Todo indivíduo tem direito à liberdade de opinião e de expressão, o que implica de não ser inquietado pelas suas opiniões e o de procurar, receber e difundir, sem consideração de fronteiras, informações e ideias por qualquer meio de expressão”.

O direito de acesso à informação pública e sua transparência chegou à América Latina sob o atrativo de diminuir a corrupção, otimizar a eficiência das instâncias governamentais e melhorar a qualidade de vida das pessoas, ao dar a estas a possibilidade de utilizar as leis de acesso e transparência como ferramentas para enriquecer seus conhecimentos na tomada cotidiana de decisões. Porém existem considerações de peso que explicam a incipiente sociedade civil latino-americana[assim como a sociedade brasileira]: a) o comum é que haja organizações que promovam os direitos humanos ou as liberdades civis como um todo, mas não há muitos espaços apropriados para debater e defender o acesso à informação pública, nem tampouco os criou como áreas para a sociabilização do conhecimento; b) é importante assinalar que não basta importar modelos estrangeiros, alheios à realidade latino-americana, mas tão pouco é suficiente elaborar modelos normativos baseados somente no conhecimento local sobre o tema; o que parece adequado é combinar os parâmetros democráticos internacionais com a realidade de cada país latino-americano; c) os meios de comunicação de diversas partes da região têm dado uma cobertura informativa irregular aos esforços desenvolvidos para promover normas jurídicas sobre a matéria; d) não existem esforços em produzir conhecimento científico sobre a matéria, circunstância que reduz a capacidade de argumentação ao apoiar movimentos sociais que traduzem em leis e instituições as ideias e motivações que sustentam a pertinência do direito de acesso à informação pública.

A Constituição de 1988 ofereceu dispositivos fundamentais à instalação de um novo patamar jurídico para o acesso à informação governamental e o direito à transparência do Estado. Os direitos do cidadão passaram a ter como contrapartida os deveres da administração pública no sentido de viabilizar o acesso à informação. Como previsto no artigo 216, parágrafo 2º: "cabem à administração pública, na forma da lei, a gestãod a documentação governamental e as providências para franquear sua consulta a quantos dela necessitem".

O direito de procurar, receber e disseminar informação impõe uma obrigação positiva aos Estados de assegurar o acesso à informação, particularmente em relação às informações retidas pelos Governos em todas de armazenamento e sistemas de recuperação.

No relatório sobre promoção e proteção do direito de liberdade de opinião e expressão – 1998 ficamos estabelecidos que “O acesso à informação é mecanismo necessário para consolidação da democracia. Através deste direito o cidadão é capaz de acompanhar as ações do governo que age em seu nome, além de consistir em um mecanismo importante contra a ineficiência, esbanjamento e corrupção.”.

Todo esse comentário doutrinário faz-se necessário porque fui procurado em meu gabinete de trabalho pela Dra. Daniele Gomes de Moura, uma ilustre pesquisadora e escritora que recentemente defendeu uma tese de mestrado sob o tema :”Do abandono afetivo à adoção unilateral: Respostas Judiciais. Alienação parental” que pediu-me que a ajudasse a continuar suas pesquisas visando agora sua tese de doutorado sob o mesmo tema, agora, após a promulgação da Lei de Alienação parental.

Ora esse é um tema recorrente nos tribunais do país e necessário aprofundar seu conhecimento por todos os agentes que lidamos com o direito e à sociedade em geral. Interessa, sobretudo à causa das crianças e adolescentes, principais vítimas dos conflitos entre os pais. Muitas vezes as crianças são usadas como moeda de troca nos conflitos de interesses entre adultos.

Como sempre facilitei o acesso á informações a todos os estudiosos e pesquisadores quando na titularidade da Vara da Infância, da Juventude e do Idoso, coloquei-me á disposição da doutora, pensando estar cumprindo uma mera formalidade de intermediação.

Mas logo fui surpreendido por um processo kafkiano inexplicável. Tive minha solicitação apreciada por um juiz auxiliar, que rigorosamente deveria estar dando conta de seu múnus judicante e não servindo de parecerista, já que qualquer aluno da EMERJ, ou um funcionário do próprio tribunal melhor qualificado faria melhor e não subtrairia da Presidente a quem me dirigi o dever de apreciar e decidir uma questão levada à Presidência por um desembargador.

Assim decidiu o auxiliar parecerista: ”Tendo em vista o sigilo imposto, impossível atender. Encaminhe-se o expediente para ciência, após arquive-se”. Inconformado com esse ato de descaso e desrespeito ás funções que exercemos, solicitei a manifestação da Presidente, a quem me havia dirigido, ressalvando que a Desembargadora Leila Mariano, que recém havia deixado a Diretoria da Escola da magistratura do Rio de Janeiro, entidade educacional e formadora de magistrado que estimula a pesquisa e as produções literárias e científicas voltadas para o aperfeiçoamento da doutrina, melhor se posicionaria sobre o pleito da pesquisadora.

Não tive melhor sorte. Colocando de lado a necessidade de estudos aprofundados no tema versado, o interesse superior da criança e do adolescente que deve ser visto com prioridade absoluta sobre todos os demais interesses, o texto constitucional que atribui à categoria de direito fundamental o acesso á informação, para o qual o legislador criou um remédio jurídico semelhante ao habeas corpus e o mandado de segurança e assim decidiu; “Aprovo o parecer. Mantenho o indeferimento. Ciência ao requerente.”.

Decidiu quem pode, obedece quem tem juízo. Diz o dito popular. Não cabe recurso, mas cabe lamentar e publicar no meu blog www.blogdosirodarlan.com e onde mais couber para que outros brasileiros tenham acesso à informação e façam seu próprio juízo de valor. Afinal, vivemos numa democracia ou pretendemos que assim seja.

* Siro Darlan, desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro e Membro da Associação Juízes para a Democracia

Fonte: http://www.jb.com.br/sociedade-aberta/noticias/2013/03/31/direito-a-informacao-e-direito-fundamental-da-pessoa-humana/