Em
2011, a Festa Literária Internacional de Paraty viu 25 mil visitantes
movimentarem R$ 13 milhões na economia local; evento, cuja décima edição
será em julho, é modelo para iniciativas similares
Nem
só pelas vendas, nem só pelo prestígio intelectual. O cenário das
feiras e festas literárias no Brasil vem tomando corpo e gerando
impactos de longo prazo na cultura e na economia do livro. Nesta semana,
o Ministério da Cultura anunciou apoio de quase R$ 8 milhões a 67 dos
200 eventos que formarão o Circuito Nacional de Feiras do Livro em 2012.
No ano passado, havia apenas 75 cadastrados. A política será gerida
pela Fundação Biblioteca Nacional (FBN) e integra o Plano Nacional do
Livro e Leitura (PNLL), que investirá mais de R$ 373 milhões em 40
projetos até o fim do ano.
Dados
da Fundação Pró-Livro apontam que 7 milhões de brasileiros compraram
livros em feiras em 2011, movimentando R$ 100 milhões. Galeno Amorim,
presidente da FBN, estima que os números possam crescer até 20% nos
próximos 12 meses. "A oferta de editais para pequenas e médias cidades
aumentou muito na última década, propiciando o avanço do setor", diz.
As
regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, com baixos índices de leitura e
maior dificuldade logística, concentrarão os R$ 2 milhões do projeto
Caravana de Escritores, que subsidiará a visita de grandes nomes das
letras. Segundo Karine Pansa, presidente do Instituto Pró-Livro e da
Câmara Brasileira do Livro, "a presença do autor fomenta a leitura, o
crescimento intelectual do leitor e traz magia aos eventos". A Lei
Rouanet distribuirá até R$ 30 milhões em renúncia fiscal entre 40
festivais do tipo.
Chegando
à décima edição, a Flip (Festa Literária Internacional de Paraty), que
acontece entre 4 e 8 de julho, é o evento-chave das mudanças. Não há
estandes com descontos, apenas uma livraria com publicações de autores
convidados. Seu conceito, amplamente replicado, se volta para a fala do
autor em debate. Com um histórico que vai de Chico Buarque a Fernando
Henrique Cardoso, passando por Christopher Hitchens e o Prêmio Nobel
J.M. Coetzee, a festa não tem precedentes midiáticos. Investe em shows
de abertura, blog oficial e redes sociais, além da transmissão dos
debates e mesas via internet. Em 2011, 25 mil visitantes movimentaram a
economia local com R$ 13 milhões, segundo pesquisa do Datafolha para a
realizadora Associação Casa Azul. Do orçamento, R$ 3 milhões foram
captados pela Rouanet.
As
editoras também entram no rateio, mas a organização nega maiores
influências. "A curadoria é independente e o convite é feito aos
autores. Num segundo momento as editoras são convidadas a participar
viabilizando a vinda do autor e o projeto cultural. Prova disso é a
presença de autores como Carol Ann Duffy, que nem editora no Brasil tem.
Nos festivais europeus, o autor é custeado na íntegra pelas editoras",
explica o diretor presidente da Flip, Mauro Munhoz.
Ele
endossa o caso do roteirista Tom Stoppard (ganhador do Oscar por
"Shakespeare Apaixonado", 1999), que só fechou contrato com a Companhia
das Letras após sua participação. Segundo ele, autores de pelo menos 52
editoras já foram convidados. Entre as mais aguardadas do ano está a
vencedora do Pulitzer 2011, Jennifer Egan, com seu "A Visita Cruel do
Tempo" (Ed. Intrínseca).
Outras
cidades históricas entraram no clima com festas midiáticas e peso
turístico. Criada em 2004, a Fliporto (Festa Literária Internacional de
Porto de Galinhas, que acontece no segundo semestre) migrou para Olinda e
atingiu, em 2011, 80 mil visitantes - cinco vezes mais do que o teto da
sede anterior -, gerando R$ 10 milhões para a cidade. Mas ao contrário
da prima fluminense, agrega uma feira paralela. "O leitor conhece os
escritores pessoalmente e faz questão de adquirir as obras. Não temos
estatísticas por autor, mas vendemos 10 mil exemplares em 2011", diz o
diretor geral Antonio Campos. Somando produção e cachês, o custo foi de
R$ 2,7 milhões.
Já
os organizadores da Feira do Livro de Brasília (5 a 9 de setembro), uma
das maiores do país, apostaram na colonial de Pirenópolis, Goiás, para
montar a Flipiri, em sua quarta edição, entre 2 e 6 de maio. "A festa
estimula a cadeia produtiva do livro onde a distribuição ainda é um
problema", diz a curadora Iris Borges. Na outra ponta estão encontros de
perfil acadêmico, como a Jornada de Literatura de Passo Fundo, rumo à
15ª edição (no segundo semestre), e o Flop (Fórum das Letras de Ouro
Preto, em novembro). "Valorizamos as obras brasileiras. O evento não
está sujeito às determinações da sociedade do espetáculo nem a
interesses econômicos", afirma a idealizadora Guiomar de Grammont. Com
cachês "simbólicos", o fórum tem orçamento de R$ 500 mil. Desde a
primeira edição, em 2005, a cidade já ganhou três livrarias - não havia
nenhuma.
Cachês
variam com a capacidade do evento, mas nomes como Ariano Suassuna
cobram em média R$ 15 mil. Ignácio de Loyola Brandão e Luis Fernando
Verissimo são outros habitués. Estrangeiros, como Mia Couto
(Moçambique), Beatriz Sarlo (Argentina) e Tariq Ali (Paquistão) elegeram
o circuito brasileiro como rota recorrente. Faltam números oficiais,
mas estima-se que autores com boa exposição e performance gerem impacto
de vendas pré e pós-evento. Na Flip 2011, quem roubou a cena foi Valter
Hugo Mãe, angolano radicado em Lisboa, que cativou o público com um
discurso pessoal e emotivo. Um showman.
A
proliferação das festas também acomoda a demanda que escapa da Flip.
Com 100 mil exemplares vendidos na Europa, a holandesa Franca Treur
desembarca no Brasil pela primeira vez para lançar seu "Confetes na
Eira" na Flipoços (Festival Literário de Poços de Caldas, entre 28/4 e
6/5). Ela será a primeira atração internacional da festa e fará
companhia a autores como Ferreira Gullar. "Não sei se a conta vai
fechar. Temos uma logística enxuta e aposto em impactos a longo prazo",
diz Marcelo Candido, editor da Livros de Safra, que financia a vinda de
Franca junto à Fundação Holandesa de Literatura. Crescendo em curadoria,
a direção trabalha no limite da estrutura. "As empresas investem pouco
no interior, focam só na Flip, que dá mídia nacional", diz a criadora
Gisele Corrêa. O evento está orçado em R$ 250 mil, via leis de
incentivo.
Menos
midiática, mas consolidada como a maior do país, a 58ª Feira de Livros
de Porto Alegre (no segundo semestre) espera aumentar em 16% seu público
de 1,7 milhões, mesclando palestras de autores ao antigo modelo de
negócios: 154 estandes de vendas.
A
12ª Feira do Livro de Ribeirão Preto (24/5 a 3/6) atrai 600 mil
visitantes e lidera na região sudeste com shows (Seu Jorge, Gal Costa,
Skank) e apelo infanto-juvenil. Mais de 20 mil alunos da rede pública
anseiam pelo contato com autores com vale-compras de R$ 18 nas mãos - os
livros têm até 60% de desconto. Thalita Rebouças, best-seller da Rocco e
"escritora mais animada do Brasil", vê as vantagens do corpo presente:
"Antes de vender livro eu já abordava os leitores nos eventos. Gosto do
contato com mães e filhos, matéria-prima do meu trabalho. E as pessoas
gostam de ver de perto quem conta as histórias que lhes fazem companhia.
Não dói nada fazer isso".