“Eu lembraria que são bens incompressíveis não apenas os que asseguram sobrevivência física em níveis decentes, mas os que garantem a integridade espiritual. São incompressíveis certamente a alimentação, a moradia, o vestuário, a instrução, a saúde, a liberdade individual, o amparo da justiça pública, a resistência à opressão etc.; e também o direito à crença, à opinião, ao lazer e, por que não, à arte e à literatura?”, observou o crítico literário Antonio Candido em seu ensaio O direito à literatura.
No ensaio, o estudioso prossegue defendendo o acesso à literatura como direito humano universal: “As produções literárias, de todos os tipos e todos os níveis, satisfazem necessidades básicas do ser humano, sobretudo através dessa incorporação, que enriquece a nossa percepção e a nossa visão do mundo. (…) fruí-la é um direito das pessoas de qualquer sociedade, desde o índio que canta as suas proezas de caça ou evoca dançando a lua cheia, até o mais requintado erudito que procura captar com sábias redes os sentidos flutuantes de um poema hermético. Em todos esses casos ocorre humanização e enriquecimento, da personalidade e do grupo, por meio do conhecimento oriundo da expressão submetida a uma ordem redentora da confusão”.
Por se tratar de um direito fundamental, para Christine Fontelles, diretora de Educação e Cultura do Instituto Ecofuturo, é imprescindível realizar todos os esforços necessários para incentivar e difundir a leitura literária entre crianças e adolescentes. “Negar o direito à leitura de literatura a crianças e adolescentes significaria negar o acesso a um conhecimento vital, além de contrariar a legislação e os direitos humanos, o direito à fruição, à fantasia, a aprender a ser humano”, disse.
A diretora do Instituto Ecofuturo defende que a literatura é fundamental para o correto letramento e para a construção da linguagem, o que se dá graças à profusão de estilos e recursos de linguagem a que se é exposto durante a experiência da leitura literária. “Através da literatura é feita uma importante viagem pelo conhecimento de tudo o que já pensou o ser humano e, diferente de outras artes, a literatura requer um preparo anterior, que deve vir desde sempre. Ler vai ser sempre desafiador”, afirmou.
Incentivar a leitura por dever e por afeto
A partir de dados da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, divulgada pelo Instituto Pró-Livro, percebeu-se que o problema da leitura no país é, em primeiro lugar, a falta de hábito, e não a falta de acesso. A mesma pesquisa revela, ainda, que um em cada três leitores brasileiros se lembra de ter visto a mãe lendo. Entre os leitores adultos, 49% referem-se à figura materna como a pessoa que mais incentivou o hábito da leitura. Já entre os jovens, tal número sobe para 73%.
Para Fontelles, os adultos, por dever e por afeto, precisam assumir a responsabilidade de passar para as crianças o hábito da leitura de literatura. “Não há uma cultura da leitura em nossa formação. Em um lar de pais leitores, por exemplo, essa cultura passa a ser uma realidade e faz sentido para o jovem”.
Bibliotecas precisam inovar
Segundo Christine Fontelles, é preciso construir estratégias de leitura inovadoras, como a experiência da Biblioteca de São Paulo, construída no Parque da Juventude, na cidade de São Paulo. Inspirada na Biblioteca de Santiago, no Chile, a biblioteca paulistana aposta em uma estrutura planejada para oferecer conforto, autonomia e atenção ao usuário, além de estar equipada para também oferecer acesso a outras mídias como internet e jogos eletrônicos. Com espaços pensados especialmente para o público infantil e juvenil, a biblioteca pretende estimular o interesse pelo livro e pela leitura.
O projeto Biblioteca Comunitária Ler é Preciso, desenvolvido pelo Instituto Ecofuturo em parceria com a Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil – FNLIJ, é outro exemplo de iniciativa criada para atrair leitores. Instaladas em escolas, as bibliotecas do Ler é Preciso são articulações intersetoriais, que visam incentivar e fortalecer os vínculos entre os atores sociais das comunidades a partir de sua participação na gestão das bibliotecas. Elas oferecem cursos para a formação de pessoas da comunidade para a promoção da leitura e para o cargo de auxiliar de biblioteca. Instaladas em 88 comunidades de 11 Estados brasileiros, as bibliotecas comunitárias mostraram-se capazes de diminuir a evasão escolar em 46% e de elevar em 156% a taxa de aprovação das escolas do entorno do projeto.
Bernardo Vianna / blog Acesso