Luís
Milanesi é doutor em ciências da comunicação e professor de
biblioteconomia na Universidade de São Paulo. Artigo publicado na Folha
de São Paulo de hoje (2).
"É letra morta?", perguntou-se depois que a Lei de
Acesso à Informação entrou em vigor. A expressão vai das resistências
dadas pelo mandonismo político que embaralha o público com o privado à
exequibilidade da lei por falta de ferramentas adequadas. Se houver o
desejo de saber, como proceder para ter a resposta?
Prestar informação é difícil quando não existe a infraestrutura
necessária para isso, como não é possível escoar a produção agrícola sem
boas estradas. Esse déficit de meios para informar não poderá ser
resolvido em curto prazo, principalmente porque informação pode ser
percebida como menos necessária que o feijão.
Os administradores quantificam os prejuízos pela falta de boas
estradas. Raramente fazem isso quando se trata do valor da informação.
Quanto vale uma biblioteca que propicia à população o conhecimento que
lhe seja necessário? O projeto de Mário de Andrade para as bibliotecas
paulistanas, em 1935, que ele sonhava como centros de informação e
cultura, foi rara exceção no deserto de séculos e se perdeu.
Em 1982, no governo Montoro, foi criado o Sistema de Bibliotecas
Públicas do Estado de São Paulo. No ânimo da "abertura" política,
ousou-se com um projeto que dava uma nova dimensão às bibliotecas
públicas, valorizando-as como centros de informação e cultura.
De acervos quase sempre precários para atender à demanda escolar,
buscou-se um novo perfil: ser espaço para informar, discutir e criar. É
desse período um fato inusitado: o prefeito de uma pequena cidade
paulista ergueu na praça da matriz um placar de madeira e lata com os
números diários da contabilidade municipal. Essa iniciativa tosca e
comovente foi um indicador dos rumos que deveriam ser tomados por todos,
inclusive pelas bibliotecas públicas. Era a ideia de "informação
necessária" à pessoa e à coletividade como tarefa fundamental das
bibliotecas.
Mas essa prática pouco prosperou. Persistiu a política do acervo
literário como fim exclusivo, agora para um público cada vez menor. A
pesquisa em enciclopédias de papel deu lugar ao copie e cole da
internet. As bibliotecas municipais nesse modelo se tornaram obsoletas,
repartições públicas de reduzido papel social e, progressivamente, sem
função.
No entanto, prestar informações persiste como pedra angular da
biblioteca pública. Como a unidade de entre informação e cultura mais
frequente no Brasil, ela deverá ser atualizada, indo do século 19 ao
século 21. E se não for por outros motivos, que seja para cumprir o que
determina a lei: a "criação de serviços de informações ao cidadão".
Estudos para essa atualização das bibliotecas públicas já estão na
pauta da Escola Politécnica associada à Escola de Comunicações e Artes
da USP. Os obstáculos para concretizar esse objetivo são grandes, mas
não intransponíveis, se houver vontade política para tanto.
As bibliotecas, com as ferramentas necessárias, poderão formar uma
rede com milhares de pontos -portas para o conhecimento- importantes
para que a lei seja letra viva, pois ela é um marco histórico que separa
a indiferença da participação, o individualismo da cidadania.
Para que isso ocorra, será necessário acreditar na informação como
alavanca para o desenvolvimento. Não só estradas para escoar a soja são
necessárias, também as vias de informação que levam ao conhecimento.
Aliás, quantas bibliotecas poderiam ser construídas com o valor de dez
km de estrada asfaltada?
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