quarta-feira, 4 de julho de 2012

As novas bibliotecas


Silvia Zamboni

Feitas para acolher os leitores de hoje, elas agora agregam outras mídias e reúnem todos os tipos de atividade cultural

A proposta da biblioteca é incentivar e promover o gosto pela leitura, e ela vê outras mídias e práticas não como concorrentes, mas como auxiliares para a formação de leitores. 

A música do auditório não chega a nenhum dos lugares, mas outros sons sim. Em mesas com até seis lugares, as pessoas conversam. Falam baixo, para não atrapalhar a concentração de quem lê, mas conversam. Um grupo de programadores opera laptops e conversa sobre o trabalho. Uma dupla joga xadrez e fala do jogo. Outros dois, livros abertos à frente, discutem um texto. Nas galerias do mesmo piso superior, de onde se vê o vão central e o piso inferior dedicado às crianças e adolescentes, há gente usando computadores da biblioteca e laptops, lendo livros, estudando e conversando.

Se viajarmos 4 mil quilômetros na direção noroeste do país, o cenário e as cenas ao redor do prédio da biblioteca são muito, mas muito distintos. Mas o que se vê dentro dela é quase igual. Em Rio Branco, capital do Acre, cidade com 342 mil habitantes cercada pela floresta amazônica, a Biblioteca do Estado funciona de forma parecida com a da colega paulista. Ocupa um prédio ao lado de uma escola pública, de frente para uma das principais praças da cidade, lugar de passagem e de parada para conversa ou para comer um tacacá - iguaria apimentada típica do Norte. Da praça para a biblioteca, é só atravessar a rua.

À entrada, a primeira sensação é de alívio. Fica do lado de fora o calor que quase sempre passa dos 30ºC. O ar-condicionado faz diferença e ajuda na concentração e na leitura. Não é preciso cadastro para entrar. A identidade é conferida apenas para se acessar a internet. Qualquer pessoa pode usar os computadores e a rede, basta mostrar um documento, sentar e por ali ficar, sem nenhum custo. Idosos e crianças se revezam nos terminais.

O prédio é amplo e as áreas para leitura, reuniões e pesquisa são espaçosas. Há dezenas de mesas de estudo com dois lugares; poltronas, sofás e pufes; 20 computadores ligados à internet; uma brinquedoteca e uma sala de projeções onde são exibidos os filmes da filmoteca guardada ali. O acervo de quadrinhos, que ocupa um mezanino, impressiona. A quantidade de lançamentos recentes, variados e numerosos, em edições novas ou bem cuidadas, permite especular que há poucas coleções de histórias em quadrinhos no país tão bem servidas como a que se encontra na biblioteca acreana.

DE SONS E SILÊNCIOS
De volta ao Sudeste. Na galeria frontal do piso superior da Biblioteca de São Paulo há cerca de 15 poltronas. Dois homens falam de negócios, vencimentos, cheques, processos judiciais, histórias de ganância e traição de que um deles se diz vítima. Nenhum livro, nenhuma revista, nada usam da biblioteca além do espaço que ocupam - e estão ali há mais de seis horas, apenas conversando. Ao lado, um terceiro homem lê. Não apenas lê, está completamente entregue ao que lhe conta o livro que segura bem aberto em frente aos olhos, capa à mostra, quase um recado: O Poder do Silêncio (Ed. Vozes), de Anselm Grün.

Os sons, o silêncio, o barulho. São elementos determinantes para se entenderem as bibliotecas, as diferentes funções e tipos que podem assumir. Um caso citado pelo argentino-canadense Alberto Manguel em Uma História da Leitura (Ed. Companhia das Letras) possibilita uma contextualização histórica e demonstra como as mudanças são possíveis e legítimas. Ele primeiro cita um trecho das Confissões (Ed. Vozes), em que Santo Agostinho demonstra surpresa com o modo de ler de Ambrósio, um famoso orador do século 9: "Quando ele lia, seus olhos perscrutavam a página e seu coração buscava o sentido, mas sua voz ficava em silêncio e sua língua, quieta. Quando chegávamos para visitá-lo, nós o encontrávamos lendo em silêncio, pois jamais lia em voz alta". Em seguida, Manguel conclui: "Esse método de leitura, esse silencioso exame da página, era em sua época algo fora do comum, sendo a leitura normal a que se fazia em voz alta. Ainda que se possam encontrar exemplos anteriores de leitura silenciosa, foi somente no século 10 que esse modo de ler se tornou usual no Ocidente". Silenciosas ou não, as bibliotecas de hoje estimulam (não só) o gosto pelos livros, e merecem ser visitadas.