Ana Pompeu
Publicação: 14/01/2012 08:00 Atualização:
Neuza Arantes: "Este país precisa de pessoas empenhadas no estudo" |
Há quem acredite que os livros têm espírito. E nenhum lugar é melhor para fazer contato com eles do que em bibliotecas. Na Esplanada dos Ministérios, os prédios parecem guardar apenas os detalhes da administração pública. Porém, o anexo de um deles — o da Agricultura — abriga um tesouro com mais de 400 mil exemplares de documentos, livros, monografias, relatórios, CDROMs, revistas, legislações. São espíritos de parte importante da história do país, preciosidades, como registros da carreira de Machado de Assis na pasta.
A Biblioteca Nacional da Agricultura (Binagri) é hoje uma das maiores da América Latina especializadas em agricultura. Criada por decreto em 1909 — foi a primeira do Brasil —, seu acervo inclui documentos sobre imigração brasileira, estradas, educação e todas as falas do trono. Durante muitos anos, o ensino brasileiro foi atribuição do Ministério da Agricultura e, por isso, é possível encontrar as certidões e toda pesquisa da educação da época.
Quem domina cada canto das estantes é a coordenadora da Binagri, Neuza Arantes. Apaixonada pelo espaço, ela já dedicou 34 anos de sua vida à biblioteca. “Olha só esse livro. Estava separado, parece que queria se mostrar pra gente mesmo. Como não acreditar no espírito dos livros?”, pergunta, apresentando a publicação sobre as riquezas naturais e indústria brasileiras editada em Paris em 1909.
Há publicações que devem ficar em áreas especiais para preservação |
Os registros de imigrações, como a chegada dos japoneses em 1908, estão guardados naquelas estantes com fotografias, mapas, descrições. O primeiro relatório impresso do serviço de povoamento do país, que data de 1862, também pode ser encontrado, com apresentação feita por uma carta escrita à mão. Há a coleção completa de todos os atos do ministério, reunindo o maior número de documentos sobre cooperativismo.
Avaliações de safras de café de 1920, detalhes sobre casos como o surto de gripe aviária de 2005, tudo isso faz parte do acervo. Além disso, a Binagri é depositária das bibliotecas da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) no Brasil e do Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura (Iica). A maioria dos documentos, entretanto, está guardada no subsolo do prédio, local mais apropriado para a preservação, e onde os usuários não podem manusear as páginas amareladas. Mas a pesquisa pode ser feita na base de dados do site do ministério, onde um servidor providencia uma cópia ou acompanha a checagem dos dados. “A gente já teve visitante que tentou corrigir toda a ortografia de um documento, rabiscou tudo”, lembra Neuza Arantes.
Entre os documentos importantes, ela exibe, com orgulho, a nomeação do escritor Machado de Assis como servidor do Ministério da Agricultura, em 31 de dezembro de 1873. Lá, ele trabalhou por mais de 40 anos, sendo responsável pela área de imigração de escravos.
“Com a experiência adquirida no órgão, o escritor criou toda sua base de informações para escrever seus romances”, destaca a coordenadora. Também passaram pelo quadro de servidores da casa o cantor e compositor Renato Russo e o médium Chico Xavier. Esse último foi funcionário do Laboratório Nacional Agropecuário, em Pedro Leopoldo (MG).
Informatização
Apesar de guardar detalhes da história brasileira desde a época do império, a biblioteca não ficou presa ao passado. Com um sistema informatizado, desde 2005 o uso do papel foi dispensado, a não ser para os atendimentos feitos a pessoas de outros estados. Por mês, 70 mil cópias são enviadas para todos os cantos do país.
Diariamente, são 150 solicitações de assuntos teóricos, legislação, dados históricos. O agronegócio é, de acordo com dados do próprio ministério, o responsável pelo superavit da balança comercial brasileira. No período 1989 a 2010, o saldo gerado pelo setor foi de US$ 557,3 bilhões. Toda a documentação dessa área está registrada na Binagri.
“Aqui é um bom espaço para estudo. Temos uns concurseiros assíduos. Tem café, água, um lugar para lanches com micro-ondas, um ambiente bem legal. Mesmo quando dá o nosso horário e há alguém estudando, a gente espera a pessoa terminar e sair, porque este país precisa de pessoas empenhadas no estudo”, afirma Neuza. A Binagri, aberta das 8h às 18h, tem cinco computadores com acesso à internet e sete pontos de rede. O interessado pode se cadastrar e utilizar o serviço, mas será monitorado o tempo todo “por questão de segurança”.
Mesmo com tanto material importante no acervo, a Binagri, segundo sua coordenadora, não tem o devido reconhecimento. “As pessoas só dão valor à informação quando não têm. Se ela está lá, organizada e acessível, ninguém pensa que foi preciso que alguém lutasse e trabalhasse por aquilo”, lamenta Neuza. No caso da Biblioteca da Agricultura, 32 servidores trabalham para manter o espaço. “Não temos estatística de não atendimento. Temos um padrão de qualidade. Nossos serviços da central de relacionamentos, que recebe ouvidoria e atendimento, são gratuitos e de qualidade”, assegura Neuza. Com tanto empenho e cuidado, é difícil duvidar.
Conheça
Biblioteca Nacional da Agricultura
Local: anexo do Ministério da Agricultura.
Horário de funcionamento:
de segunda a sexta-feira, das 8h às 18h, sem intervalo para almoço.
Informações: 3218-2410 e www.agricultura.gov.br/biblioteca
Fonte: http://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/cidades/2012/01/14/interna_cidadesdf,286311/primeira-no-brasil-biblioteca-nacional-da-agricultura-reune-raridades.shtml