segunda-feira, 1 de outubro de 2012

O Livro, a Leitura


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Para tratar do Livro –‘instituição’ bibliográfica, produto industrial-comercial, e objeto (elitista) de consumo intelectual – e de Leitura — vetor de formação intelectual, instrumento\ferramenta basilar da Educação, e atividade de lazer cultural – há obrigatoriamente de se reportar aos cinco elementos, aqui apreciados: a livraria (ainda que ‘sacralizada’), a bienal (queira-se ou não, sempre pólo ou ‘marco’ regulatório do mercado livreiro), a editora (mesmo ‘atada’ a modelos convencionais e relutante ao insofismável), a biblioteca (até quando não prestigiada, carente, insuficiente, deficiente?), e… a mídia digital (realidade inelutável, e eficaz, do mundo contemporâneo).
Todos  a necessitarem e\ou  proporem novas formas, formatos, modelos e sobretudo conceitos.
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A recente Bienal do Livro de São Paulo, 2012, pareceu a muitos “esvaziada”,  nem tanto pelo afluxo de público (estatísticas, confiáveis ou não, apontam recordes de frequência, mormente em seu último fim de semana), e sim por parte e no seio do próprio meio editorial-livreiro, haja vista p. ex. a ausência de grandes editoras, sob argumentação de “custos exorbitantes” e “parcos resultados” — vale dizer, relações custos-benefícios passam a ser econometricamente avaliados (eu, em muitos anos de atividade em editoras nunca vira tão rigorosa preocupação: muito bom isso agora).
‘Esvaziamento’, no entanto, ditado menos por elementos quantitativos e mais,muito mais, por vetores conceituais: é crescente o pensamento – crítico — quanto ao tradicional “modelão”, ou “formatão” (assim são definidos pelos profissionais do ramo) da Bienal do Livro, ao mesmo tempo em que as atenções se voltam cada vez mais para os eventos regionais, essa profusão (benéfica,sustento eu) de festas e feiras pelo país: Belém, Fortaleza,Recife,Ouro Preto, Paraty, Porto Alegre, Passo Fundo (estas duas últimas bastante tradicionais, já de longa data). Persiste mesmo o intento, entre editores, livreiros e profissionais do setor, de fortalecimento e incremento a esses eventos regionais, os quais — tanto por suas próprias concepções como pelas efetivas programações realizadas até aqui — têm oferecido os elementos de uma presente reflexão conceitual sobre a Bienal: constituir-se menos em cenário de venda e exposição de livros e mais de  incentivo a leitura – o que,de resto, as feiras regionais com efeito oferecem; e que faz parte das proposições preconizadas pelos intentos de reformulação conceitual da Bienal, traduzida por maior incidência de painéis,mesas redondas, debates e oficinas em torno da literatura, do livro e da leitura. (duas semanas após o encerramento da Bienal, foi constituída uma comissão de editores, sob a égide da Câmara Brasileira do Livro, para estudar o assunto e talvez definir os rumos da grande feira).


Minha opinião: ainda vejo extrema validade na Bienal — mesmo sob as formas de seus ‘modelão, formatão’; sendo como sempre frequentada pelos contingentes daqueles parcos e raros leitores para os quais todas as pesquisas apontam a média de leitura de …  2 livros por ano (!); ainda que com as características de ‘feirão’, cenários circenses, etc  — evidentemente admitindo, e concordando plenamente, com a necessidade de certas alterações, ajustes, como em especial o incentivo maior a realização de oficinas,painéis, debates, etc. A validade que sustento tem em vista o chamado ‘grande público’, por força do comprovado fato de a Bienal representar a contrapartida real,concreta, a um tipo de comportamento desse ‘(não)leitor comum’: sua relação com a livraria, tida e vista por ele como uma espécie de ‘templo sagrado’, espaço de sacralização — apesar de tudo em termos de atrativo,utilidade, conforto, etc que as livrarias oferecem hoje (café, poltronas,ambientes de leitura,etc) — a inibi-lo e refrear sua possibilidade de chegar ao livro. Na Bienal, justamente por seu ‘modelão’ — que de resto permite uma exposição mais abrangente quase completa, do conjunto dos acervos de editoras — por seus cenários ‘populares’ e descontraídos [sic], propicia um sensível processo de dessacralização.
Mas… por  outro lado — ou acima de todos os lados — um espectro ronda (alvissareiramente, saúdo eu) a Bienal e as livrarias, por extensão as editoras, a totalidade do mundo editorial-livreiro: o e-commerce, notável em sua propriedade (benfazeja,enfatizo) de mudar a relação do leitor,e do produtor e do revendedor, com o livro — dinamizando-a, enriquecendo-a, valorizando-a, aprimorando-a.
‘esqueceram’ do digital? (ou é indolência, ou inércia, de editores, livreiros, et alii?…)
Bem, referi-me aos “(…) parcos e raros leitores para os quais todas as pesquisas apontam a média de leitura de … 2 livros por ano[!]” – o que poderia provocar  reações e,antecipo-me, “reclamos de correção”: talvez meus pacientes leitores venham a contra-argumentar que na verdade o índice de leitura do brasileiro,apontado pela recente pesquisa “Retratos da Leitura no Brasil” – e registrado no oportuno livro sob mesmo título (org. Zoara Failla; edição IPL e Imprensa Oficial, 344 pgs.), aliás lançado na Bienal – é na verdade de 4 (quatro) livros por ano, e não 2. Sim, o número em ‘estado bruto’ é esse, mas excluídas as obras indicadas pelas escolas e aquelas compradas pelo governo para distribuição à rede escolar e bibliotecas, e considerada apenas a leitura espontânea chegamos à  lamentável marca que registrei.
A considerar: pode-se perfeitamente dizer: no Brasil, o livro – que circula de maneira limitada e  deficitária, numa média de 2 mil exemplares (cada edição: na melhor das hipóteses,em cinco edições sequentes atingiria  10 mil exemplares, num país de mais de 190 milhões de habitantes) — é um ‘luxo’; luxuoso e   marginalizado, no confronto desigual com a avassaladora cultura  imagética e priorizante de outras formas de expressão e de comunicação de massa (de nível qualitativo duvidoso).
Aliás, aproveitemos a oportunidade e examinemos certos números e determinados fatos inerentes ao levantamento “Produção e vendas do setor editorial brasileiro”, realizado pela Fipe por encomenda da CBL e do Snel. Por exemplo, se o mercado editorial cresceu 7,36% em faturamento em 2011, comparativo a 2010, computado o efeito da inflação (6,5% pelo IPCA), o aumento real foi de ..irrisório 0,81%; e – atenção ! — o governo teve papel fundamental nos números do faturamento do setor, uma vez que as vendas de livros para programas e órgãos governamentais tiveram crescimento de nada menos do que 21,2% (valor não deflacionado). E ao se considerarem os dados de mercado (que engloba todas as vendas com exceção daquelas para governo), o cenário mostra que o setor cresceu em faturamento 3%, mas, levando-se em conta a inflação, houve queda real de 3,27%. Enquanto isso, segundo a  “Pesquisa LOF – O Livro no Orçamento Familiar”, que utiliza dados da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) do IBGE, caiu, de 40,66% para 36,16%, a proporção de domicílios que adquiriram algum material de leitura: considerando apenas livros não didáticos, o aumento foi de mero 0,63%, passando de 7,47% a 8,10%, como também decresceu o valor médio anual despendido por família com material de leitura como um todo(em 19,4%)  e livros em particular (queda de 12,3%).
☺Minha opinião: não é que não acredite, malgrado latente ceticismo que dispenso a estatísticas de modo geral, ainda mais as formuladas cá no Brasil (João Ubaldo Ribeiro, que estudou estatística,como afiança, quando do mestrado feito na Califórnia – e sendo “muito bom na matéria”, diz, é um veemente,vigoroso,contumaz crítico das estatísticas produzidas e divulgadas entre nós), no entanto  questiono esses cenários de um modo geral . Todos os levantamentos,pesquisas e computações retratam,reportam-se e registram, no tocante a índices de leitura, de produção, de vendas, de faturamento, etc, única e exclusivamente os dados inerentes a livros impressos – sem catalogar, até porque não existem ainda mecanismos para tal [por indolência e ‘inércia’,por certo relutância (sic) de editores,livreiros,etc , face a suas respectivas posturas diante do elemento a que vou me referir a seguir], esses mesmos  dados para os livros digitais e todas as formas e meios de leitura intensamente,e irreversivelmente, presentes hoje, nos tablets,iPads,iPhones,portais,sites, diversos links pela internet e demais plataformas digitais.
Vou adiante para uma desafiadora conclusão: lê-se mais que as (incompletas) estatísticas apontame produz-se e vende-se muito mais hoje no Brasil, e em todas  faixas etárias e todos os tipos de textos !
e-books : inverdades e … realidades claras
Apesar de  meu reiterado ceticismo com relação a estatísticas sobre índices de leitura e de produção e vendas do setor editorial, pesquisa da Câmara Brasileira do Livro- CBL e do Sindicato Nacional dos Editores de Livros- SNEL, corroborada pelo levantamento da FIPE , que cataloga o lançamento em 2011 de 5.235 títulos no formato digital, sustenta que começam a fazer presença no panorama editorial,cerca de 9% dos mais de 58 mil títulos totais lançados em 2011 – mas correspondem a um faturamento diminuto,coisa de R$ 870 mil.
Bem, relutei um pouco em comentar o que se segue – temente de que venham a clamar tratar-se de duas realidades e contextos sócio-econômico-culturais distintos em todos os graus: e são mesmo…: nos EUA, nos últimos dois anos, o número de e-books vendidos mais que duplicou, passando de 125 milhões, em 2010, para 388 milhões, em 2011, passando a responder por 15% do mercado em 2011 ante 6% em 2010, de acordo com um relatório da Association of American Publishers e do Book Industry Study Group, e as editoras, que já disponibilizam mais de 1 milhão de títulos em formato digital, viram a receita proveniente da comercialização de e-books chegar a US$ 2,1 bilhões; lá, os livros digitais mais que dobraram seu desempenho comercial em 2011, e superaram as vendas dos livros de capa dura na categoria ficção para adultos, e  no seguimento de livros infantis, o crescimento do faturamento foi de 475%.
☺Minha opinião: não adianta ‘bombardearem’ com um alardeado – e discutível –“fiasco das vendas dos e-books”[sic]. Diante da dicotomia que no mercado brasileiro faz comemorar o “crescimento” — apontei anteriormente certas nuances dos números — das vendas de livros impressos, e nos EUA, celebrar o faturamento, cada vez maior, ano a ano, na venda dos e-books, resta saber,prezado leitor, o que deveria ser mais festejado.
Cá no Brasil, as livrarias que vendem e-book garantem que os resultados são “irrisórios” — no que continuo a acreditar pouco: sabemos o quanto elas ainda não se ‘entregarem’ de todo (o termo é meu) aos livros digitais, de resto atitude também de editoras.
Concomitantemente, as editoras deveriam estar atentas e agradecer pelo que os e-books estão a lhes proporcionar: dados fornecidos pelos aplicativos que os leitores de e-books usam, quanto a tipos de obras e autores, gêneros, frequência de leitura, extensão das obras, etc propiciam a livrarias digitais — e editoras — definir estratégias de mercado: nos EUA, p.ex. a Barnes & Noble,com a coleta de dados sobre os leitores, decidiu lançar uma seção de livros curtos depois de ver que seus leitores costumavam abandonar obras longas de não ficção pelo meio; aqui,o Saraiva Digital Reader, aplicativo da livraria Saraiva para várias plataformas, coleta dados como o tempo de leitura e os dias da semana em que o usuário mais lê. Quer dizer: : ao contrário do livro impresso — lido e manuseado pelo leitor na privacidade, sem oferecer indícios e elementos de seus hábitos,gostos e ritmos de leitura, os e-books tornam-se instrumentos fundamentais de formulação de estratégias e ações editoriais e comerciais por editoras e livrarias. Surgiria, por certo, a questão — a que leitores de todos os matizes podem responder: muito bom para elas, mas será isso bom para vc.?
Considero isso ótimo: não vejo nenhum tipo ou grau de ‘invasão de privacidade’ (sic).
Então, para arrematar: quando sustento que lê-se muito mais no meio digital do que revelam as simples(e simplórias) estatísticas sobre vendas, e leitura, de e-books, se já não bastasse citar o quanto de textos,obras e narrativas literárias que se abrigam,e são consultadas e ‘downloanizadas’ por milhares de pessoas diariamente, nos portais e sites de literatura, nos blogs — posso falar ‘de cadeira’ devido ao que veiculo no meu [http://pandorawiki.blogspot.com.br/] — no Facebook — outra vez menciono com pleno’ conhecimento de causa’, pelo que nessa mídia exponho de matéria literária — nas redes sociais como um todo. Um exemplo marcante: a coletânea Geração subzero (org. Felipe Pena; editora Record, 322 pgs.), reunindo textos veiculados exclusivamente no twitter — com um subtítulo bastante significativo, “20 autores congelados pela crítica, mas adorados pelos leitores” – e entre eles alguns ‘campeões de vendas’ no mercado (formal)  livreiro, como Thalita Rebouças, André Vianco. Outro exemplo, Frankenstein, de Mary Shelley, ganhou uma versão em aplicativo para iPad e iPhone
Vale dizer, obras e textos em mídias, veículos e suportes outros que não aqueles metódica e estatisticamente computados.  Tudo, enfim, a exigir profundas e sérias reflexões.
e as bibliotecas, quais seus destinos e formatos ?
Cenáculos fundamentais de formação de leitores, definidas por Mario de Andrade ainda em 1935 como “centros de informação e cultura”, as bibliotecas públicas via de regra são carentes na constituição e manutenção – nem se fala em expansão – de seus acervos bibliográficos e documentais,os quais no geral encontram-se no  em mau, por vezes péssimo,  estado de conservação
Veja-se por exemplo  o caso da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Noticiários recentes informam: o site da BN só abriga e exibe os elementos para 576 mil obras, contra 2 milhões que compõem o acervo total (e pobre de quem experimentar acessar o site, mesmo vc. numdesktop ou laptop,ou tablet poderoso, em determinados horários, ainda mais se o acesso desejado, que se necessite, requeira urgência…); ainda neste ano, áreas em vários andares foram inundadas por vazamentos do sistema de ar refrigerado, muitas  estantes provocam choque; segundo os funcionários, em manifestação pública, denunciaram “o aniversário das baratas que infestam o prédio, com destaque para seu ‘berçário’, no quinto andar; das pragas que gostam muito de papel; brocas, traças e cupins, dos ratos do primeiro andar”.
É a mais importante biblioteca do país: por isso, merecia\merece ‘melhor tratamento’ (para dizer o mínimo…). A Biblioteca Nacional — essa denominação assumida em 1876 — originariamente constituída como Biblioteca Real, trazida por d. João VI, com um acervo de 60 mil peças, tornou-se o principal elemento para os esforços de então para disseminação do livro e da leitura. Depois da Independência denominada Biblioteca Imperial e Pública da Corte, começando a se “abrasileirar e se modernizar” a partir da década de 1840 — quando passou a configurar-se a formação de um público leitor no Brasil, evidenciado pela  implementação de redes de bibliotecas e pela instalação de sociedades de leitores (Sociedade Literária do Rio de Janeiro;Ginásio Científico-Literário Brasileiro;Sociedade Ensaios Literários; Grêmio Literário Português; Retiro Literário Português; Sociedade Phil’Euterpe) e de gabinetes de leitura (alguns situados no interior de livrarias !) — dos quais o mais importante e de maior acervo era o Real Gabinete Português de Leitura.
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Tópico inerente a simpósios e debates de que participo, o “futuro das bibliotecas” é tema recorrente em todas as reflexões sobre livro e leitura. Antes disso, no entanto, convém investigar qual o “presente das bibliotecas” nestes tempos de informação imediata (e imediatista),de convívio (sim,o termo é este) virtual,de redes sociais,de formação educacional-cultural a distância.
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Uma resposta possível, plausível: bibliotecas públicas modernizadas, a conviverem, e interagirem, com as novas e dinâmicas (e alvissareiras) mídias digitais, a ‘compartilharem’ com bibliotecas escolares, bibliotecas comunitárias, e, retomando os ‘modelos’ dos idos do pós-1840, com núcleos e gabinetes de leitura e sociedades literárias.
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☺Minha opinião: tudo no presente e no futuro depende\dependerá da capacidade de as bibliotecas incorporarem e se integrarem à cultura digital, vale dizer à realidade inexorável – e eficaz – do  mundo contemporâneo.

 Mauro Rosso é pesquisador de literatura brasileira, articulista, ensaísta, escritor com 11 livros publicados. E-mail: rosso.mauro@gmail.com