domingo, 7 de outubro de 2012

Unicamp e USP terão centros para obras valiosas

O que faz de um livro uma obra rara? Uma convenção de bibliotecas internacionais estabeleceu o critério cronológico em primeiro lugar.

O que faz de um livro uma obra rara? Uma convenção de bibliotecas internacionais estabeleceu o critério cronológico em primeiro lugar. São raras as obras anteriores a 1750. A Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, a maior do país, com mais de nove milhões de livros, estende o limite a 1840, quando a indústria editorial no Brasil ainda era incipiente.

Na Universidade de Campinas (Unicamp), a política é mais abrangente. Como não incluir nessa categoria, por exemplo, um dos 300 exemplares da primeira edição de "Raízes do Brasil" (1936), de Sérgio Buarque de Holanda, que teve todos os volumes assinados pelo autor? Ou as edições da literatura popular marginal das primeiras décadas do século XX, de baixa tiragem e de difícil acesso, que agora começam a despertar interesse literário e histórico? "Esse é o papel da universidade, de buscar, ampliar horizontes e estimular a pesquisa", diz Edgar Salvadori de Decca, vice-reitor da Unicamp.

Decca está à frente da construção da Biblioteca de Obras Raras (Bora), com previsão para abrigar 100 mil volumes. O espaço custará R$ 13 milhões, dos quais R$ 8,35 milhões virão da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), empresa pública vinculada ao Ministério da Ciência e da Tecnologia. O restante virá da própria Unicamp. A previsão é que a construção comece em abril ou maio e fique pronta um ano depois. Até lá, 3,9 mil livros raros deverão ser digitalizados e colocados para acesso gratuito na internet - os primeiros entram na rede a partir de outubro.

Na Universidade de São Paulo (USP), professores, pesquisadores e estudantes se entusiasmam com uma novidade parecida. Um complexo com três prédios, orçado em R$ 130 milhões, começa a funcionar em dezembro, a partir da inauguração da Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin, que abrigará a coleção reunida ao longo de mais de oitenta anos pelo bibliófilo e sua esposa.

A biblioteca, que conta com 40 mil volumes, foi doada pela família em 2005 e é considerada a mais importante do gênero formada por um particular no mundo. Parte do acervo pertencia ao bibliófilo Rubens Borba de Moraes e foi guardada pelo casal Mindlin depois de sua morte.


Segundo Pedro Puntoni, coordenador da Biblioteca Guita e José Mindlin, até março deve ser concluída a construção das outras duas unidades, que abrigarão os 140 mil livros do Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) e o acervo do Departamento Técnico do Sistema Integrado de Bibliotecas da USP (SIB), espaço onde as 46 bibliotecas da USP poderão guardar, voluntariamente, seus exemplares mais preciosos, com melhores condições climáticas e de segurança.

O conjunto da USP, cuja área total será de 20 mil m2, terá auditório, área para exposição, livraria e café. Neste mês, para marcar o início das atividades do "condomínio", serão colocados na internet, com acesso gratuito, a íntegra de 2,5 mil livros raros.

Já a Bora, da Unicamp, terá quatro pavimentos, com mais de 3,5 mil m2, divididos em espaços para exposição, recepção e preservação de documentos, acervo, coleções especiais e administração. Tudo foi projetado dentro das exigências técnicas de conservação contra umidade, incidência de luz solar, oscilações de temperatura e ações de agentes bacteriológicos. Pisos, paredes e tetos serão feitos com material incombustível. "Para retirar um livro, será preciso que o volume passe por uma estufa de aclimatação", diz Decca.

Uma das metas é constituir um grande repertório da inteligência brasileira, por meio das coleções especiais, conta o vice-reitor.

De Sérgio Buarque de Holanda, por exemplo, são mil edições raras ou especiais, como "Os Sertões", de Euclides da Cunha, com anotações nas bordas das páginas. "Ele construiu uma marginalia de comentários que mostra como compreendeu cada livro", diz Decca. Em 1984, quando a Unicamp adquiriu a biblioteca de Holanda, com nove mil volumes, a família doou todo mobiliário de seu escritório, que se encontra remontado na biblioteca central e irá para a Bora.

No início, 60 mil raridades hoje na Biblioteca Central da Unicamp serão levadas para o novo espaço. "Não estão mal cuidadas, mas precisam de condições de preservação mais adequadas", justifica Luiz Atílio Vicentini, diretor de bibliotecas da Unicamp.

A Unicamp também fará um estudo detalhado do que possui em suas 27 bibliotecas para definir o que irá para a Bora. Segundo Decca, trata-se de uma nova visão que as universidade brasileira estão desenvolvendo sobre livros raros, que é a busca para conservá-los e, ao mesmo tempo, torna-los disponíveis a todos.

Numa época em que se fala do fim do livro de papel, Vicentini diz que o interesse por títulos raros vem ao encontro das novas tecnologias. "Existem textos que são de difícil acesso, mesmo na internet, e as universidades querem reduzir essa distância."

Além disso, ele espera que isso favoreça a política de aquisição de obras e acervos raros. "Viraremos referência nesse sentido também. Famílias devem nos procurar por saber que as coleções estarão bem cuidadas."

Nos últimos anos, a USP tem ajudado o Arquivo Público do Estado de São Paulo e a Biblioteca Mario de Andrade, que tem 40 mil volumes, a digitalizar seus acervos. "Dividimos a experiência que acumulamos e combinamos com o Ministério da Cultura, nosso apoiador, que faríamos dessa forma", afirma Puntoni, que credita aos modernistas de São Paulo, como Mario de Andrade e Oswald de Andrade, o espírito de preservação de obras valiosas.

Agora, afirma Puntoni, é importante que essa percepção seja consolidada nas universidades federais. "Tudo bem que cada um cuide o seu jardim, mas precisamos regar todos."

Link original da matéria: http://www.valor.com.br/cultura/2849772/unicamp-e-usp-terao-centros-para-obras-v ...